Jornal Caboclo

da região do Contestado, SC

Colunas e Opinião

Taquara Verde na história de Caçador, escreve Duda Nascimento

ATAVUS a união pela comunidade

Por Duda Nascimento

A serra de Taquara Verde é um local importante na formação territorial do Contestado. Tradicionalmente, ali existiram aldeamentos de povos originários Xokleng, como os aldeamentos Rincão do Tigre e Pouso Bonito, sendo a nascente da bacia do rio do Peixe¹. A serra de Taquara Verde foi um encontro de caminhos de tropas entre Campos Novos, Campos de Palmas e Porto União. Popularmente diz-se que, o nome Taquara Verde foi dado por a região possuir grandes taquarais que se mantinham verdes, mesmo nas grandes secas da taquara após os períodos de florescência que ocorrem em cerca de 30 em 30 anos.

Em 1881, Francisco Corrêa de Mello garante a posse de terras devolutas junto ao Estado de Santa Catarina no município de Campos Novos, fundando a fazenda Faxinal do Bom Sucesso, nas margens do rio do Peixe a aproximadamente 20 km da serra de Taquara Verde. Vindo da fazenda Faxinal dos Padilha de Campos Novos, Manoel Gonçalves Padilha havia se casado no Espinilho com Edwiges Corrêa Gonçalves, filha de Francisco Corrêa de Mello, tendo lá residido antes de se estabelecerem em 1891 na serra de Taquara Verde, dez anos depois do sogro quando já tinha 35 anos de idade. Manoel e Edwiges haviam vendido seus quinhões para o cunhado João Corrêa de Mello. Manoel e Edwiges faleceram no Taquara Verde, ela em 1931 aos 70 anos de idade².  

Thomaz Gonçalves Padilha se mudou para a serra de Taquara Verde juntamente com seu irmão Manoel, tendo chegado à região com 31 anos de idade, também casado no Espinilho, com Bernardina Corrêa Gonçalves, filha de Manoel Corrêa de Mello, o qual era tio de Francisco Corrêa de Mello. A serra de Taquara Verde se encontrava em terras disputadas por Paraná e Santa Catarina, mas sob a administração do Paraná na época. Thomaz Gonçalves Padilha requereu junto ao Estado do Paraná o título de domínio de extensa área de terras, 7 anos após a sua chegada, obtendo-o em 12 de março de 1898, fundando então, a fazenda Torres. Com o falecimento de Bernardina em 1912, Thomaz contraiu novas núpcias, com Maria Francisca Pereira².

Durante a guerra do Contestado a região de Taquara Verde foi rota de fuga para a população cabocla do povoado São João. Após a batalha de Irani em 1912, forças do exército Brasileiro e do regimento de segurança do Paraná, atravessaram a vila de União da Vitória em direção à vila Palmas, atacando o povoado de São João com a missão de perseguir sobreviventes caboclos que lutaram ao lado do monge José Maria. Depois disso, em 1914, os rebeldes incendiaram a serraria e os depósitos da Lumber na mesma região, hoje município de Calmon.

Se na fazenda Faxinal do Bom Sucesso, Francisco Correa de Mello era considerado o “coronel”, na fazenda Torres e na região de Taquara Verde as ordens eram dadas pelo coronel Thomaz Gonçalves Padilha. Membro da guarda nacional, foi dotado com as patentes de capitão, major, tenente-coronel, chegando a coronel em 1926. Foi um dos responsáveis pela criação do distrito de Taquara Verde, ainda no município de União da Vitória, quando localidade ainda era administrada pelo Paraná. Este distrito foi extinto em 1917, no acordo de limites entre os dois estados litigantes, passando a região a pertencer ao distrito de São João dos Pobres, antes vila de São João, no município de Porto União. Somente pela Lei nº 58 de 16 de julho de 1923, o município de Porto União voltou a criar o “Districto de Santo Antonio de Taquara Verde” fazendo divisa pelo rio do Peixe com o outro recém-criado “Districto de Rio Caçador” pelo município de Campos Novos. Thomaz Gonçalves Padilha foi intendente de Taquara Verde e assistiu à criação do município de Caçador em 1934, quando os distritos de Taquara Verde, Rio Caçador, entre outros foram unidos. Thomaz Gonçalves Padilha faleceu em sua residência na fazenda Torres em 1943 aos 83 anos.

¹ WIIK, Flávio Braune; MUCHALOVSKI, Elói Giovane. Os povos indígenas na região do Planalto Catarinense: dinâmicas históricas e permanências. In: GRANADA, Daniel.  As identidades culturais no planalto catarinense: dinâmicas históricas e processos contemporâneos de construção da diversidade. Florianópolis: Instituto Brasil Plural, 2023.

² THOMÉ, Nilson. Família Correa de Mello: Raízes da História de Caçador. Caçador: Fundação Educacional do Alto Vale do Rio do Peixe, p. 28-32, 1982.

A Associação Comunitária

100 anos depois da promulgação da lei de criação do distrito de Taquara Verde a comunidade se organiza para a constituição da sua primeira associação comunitária, a Associação Taquara Verde de União Social (ATAVUS). O distrito de Taquara Verde foi historicamente formado por uma população tradicional, ligada fundamentalmente à identidade cabocla do Contestado, a qual vem sofrendo um processo histórico de apagamento cultural que perdura até os dias atuais, por meio da perpetuação do preconceito estrutural. Hoje o distrito de Taquara Verde apresenta uma população com alta vulnerabilidade social, devido à baixa renda, falta de oportunidades de trabalho e incidência da violência, contexto que se reflete no espaço escolar. Este movimento de organização surgiu a partir do contexto da violência escolar recente, a qual gerou grande preocupação e protesto das mães em defesa de seus filhos e enfrentamento às ameaças de massacres ocorridas na comunidade. Dos desdobramentos deste movimento, constatou-se a necessidade urgente em formalizar uma associação, para que as reivindicações junto ao poder público sejam efetivas, já que, a comunidade observa a perda gradativa dos serviços públicos ofertados, como perda do posto policial, falta de espaço adequado para a creche e pré-escola, falta de oferta de atividades de contraturno escolar e de formação profissional, pouca oferta de trabalho, além da muita baixa possibilidade de geração de renda, dentre outras.

Em especial as mulheres tomaram a frente e mobilizaram a comunidade em busca da constituição dessa associação. A tarefa não foi das mais fáceis, já que, boa parte dos moradores tem pouco conhecimento quanto a importância da organização comunal, do exercício da cidadania e das potencialidades de atuação de uma associação. Convites foram distribuídos de casa em casa, divulgou-se o chamamento nos locais públicos e nas redes digitais entre os moradores. Hoje a comunidade possui mais de 1.500 habitantes. Na assembleia constitutiva realizada no dia 18 de maio de 2023 no espaço cedido pela escola Thomaz Gonçalves Padilha, estiveram presentes 35 moradores interessados em contribuir com a associação.

Neste momento, estiveram presentes os presidentes da Associação Paulo Freire de Educação e Cultura Popular (APAFEC) do município de Fraiburgo, Jilson Carlos Souza, e também, o presidente da Associação Cultural Coração do Contestado do município de Lebon Régis, Carlos Nedi, abrindo os trabalhos com uma exposição sobre a importância e as conquistas das respectivas associações.  A APAFEC possui mais de 20 anos de atuação, iniciando com atividades no bairro São Miguel, sendo a maior referência em atuação para o desenvolvimento comunitário da região do Contestado, realizando ações de enorme impacto social. Apesar dos somente 5 anos de existência da Associação Cultural Coração do Contestado, ela é a maior referência de resgate da identidade e da memória do Contestado para todos os municípios da região. Jilson e Carlos fizeram falas emocionantes que sem dúvida trouxeram uma exemplar referência e grande motivação para os participantes da iniciante associação de Taquara Verde. Além deles, também se fizeram presente e respaldaram a constituição da ATAVUS, a presidenta Jocileni e secretária Marli da União de Associações de Moradores de Caçador e o diretor, advogado Vilmar da Federação das Associações de Moradores do Estado de Santa Catarina (FAMESC).

A ATAVUS já inicia suas atividades carregada de simbologia da identidade cabocla do Contestado. Coincidentemente, a abreviação ATAVUS significa em latim “ANCESTRAL” e o símbolo escolhido para compor a logomarca da associação é uma benzedeira, seguindo a tradição do povo caboclo do Contestado. A benzedeira representa a união social, a experiência, a sabedoria, a oralidade, a solidariedade e a ancestralidade. Não coincidentemente, a tradição de liderança e de fortalecimento dos vínculos comunitários dado pelas mulheres no Contestado está presente, mulheres como Querubina, Nega Jacinta, Maria Rosa, Teodora, Chica Pelega, Nhá Emídia, Mariazinha e muitas outras, presentes em cada comunidade da região. Nos próximos meses a ATAVUS se prepara para comemorar o centenário de Taquara Verde, começa suas ações junto à Floresta Nacional de Caçador do ICMBio (FLONA), como também, as parcerias junto a administração municipal. É mais uma comunidade em busca do resgate dos seus valores fundamentais, do seu modo de vida, do seu pertencimento e de esperança em condições mais equilibradas e menos desiguais para o futuro.

Foto de Capa: Foto com a primeira composição administrativa da ATAVUS: Diretor da Escola Thomaz Padilha Roberto; Presidenta e Secretária da União das Associações Jocileni & Marli, Presidente da Associação Coração do Contestado Carlos e Presidente da APAFEC Jilson.

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Sobre o Autor: Eduardo do Nascimento Karasinski, Professor Doutor do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do IFSC Caçador, eduardo.nascimento@ifsc.edu.br

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