Jornal Caboclo

da região do Contestado, SC

Geral

A Rede Contestado de Educação, Ciência e Tecnologia 110 anos após a guerra, escreve Duda Nascimento

Lançamento da Rede de Educadoras/es Caboclas e Caboclos do Contestado

Por Prof. Dr. Eduardo do Nascimento Karasinski

As desigualdades na estrutura social estão além de acordos e direitos, elas são constituídas por imperativos sistêmicos. Os grupos sociais hegemônicos se autodefinem, inserindo e mantendo os modelos institucionais. Consequentemente, subjugam grupos desfavorecidos, fazendo necessário que estes sigam os padrões disponíveis, como consequência da sua alienação. Sobretudo, no mundo globalizado de fluxos dinâmicos de informação há um deslocamento entre as estruturas de espaço e poder local e global. Os grupos sociais podem formar conexões de pertencimento em que a dimensão simbólica não está mais relacionada ao seu lugar. Assim como, se os sujeitos no interior do Contestado necessitassem manter padrões e valores europeizados.

Por outro lado, a dimensão social da identidade é mais objetiva. Na construção social da identidade, uma dimensão concreta se constitui frente aos espaços simbólicos. Porém, no Contestado ainda perdura o processo de apagamento da identidade cabocla. Há uma insistência numa identidade forçada de um modelo europeizado, que exclui grupos significativos da população e apaga a sua diversidade cultural da região. Por isso, é fundamental a manutenção dos espaços simbólicos no Contestado e o fortalecimento da riqueza da cultura cabocla. A identidade coletiva dá centralidade às redes de pertencimento, ao compartilhamento de valores e ao engajamento desses indivíduos. Para que os grupos oprimidos possam ter uma participação cidadã, é preciso desenvolver a sua autoestima, mudar a sua própria imagem e as representações sobre sua vida, adquirindo motivação e autonomia para a concretização de uma condição mais equilibrada. Isto implica em reconstruir uma realidade que possa gerar ações de mobilização coletiva.

A construção da Rede Contestado de Educação, Ciência e Tecnologia é o resultado de projetos fomentados pelo CNPq durante os últimos 4 anos. Em 2018/2019 um movimento importante de aproximação entre as instituições IFSC, IFC, Museu do Contestado, UNOESC e Prefeitura de Caçador, as quais se organizaram em rede e propuseram uma agenda de eventos para popularização da ciência e da tecnologia no Contestado. Os eventos da Semana do Contestado em Caçador e o Primeiro Congresso Nacional do Contestado, aproximaram outra dezena de colaboradores da UNESPAR, UFSC, UFPel, UDESC, UFPR, UNIARP, UFFS, UnC, secretarias municipais de educação, associações culturais e coletivos populares, que juntos promoveram uma grande mobilização em torno desta temática. Os eventos superaram as expectativas, tanto em relação ao impacto das ações, quanto no número de pessoas atingidas. No congresso foram 89 trabalhos apresentados e publicados em: https://www.ifsc.edu.br/documents/35993/1838881/ANAIS+CONGRESSO+DO+CONTESTADO_compressed+%281%29.pdf/bf48d8f4-24be-4613-851b-bf5a3c8fe02f, foram mais de 1000 estudantes da educação básica que passaram pelo evento realizado em Caçador.

Nos anos de 2019/2020 o trabalho continuou financiado pelo CNPq. A pandemia alterou completamente os planos, contudo, trouxe novas possibilidades com a linguagem audiovisual. Para nos reinventar e levar as ações para a comunidade buscou-se por registrar as histórias das pessoas na região do Contestado numa linguagem artística reunindo projetos culturais para a produção do documentário intitulado “Águas Santa: A terceira margem do rio” disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=EWSFG8GsxCE. Novamente, superou-se as expectativas devido ao alcance desta produção com relação à qualidade do material final produzido. O primeiro volume do livro Rede Contestado foi publicado com 22 artigos de autores colaboradores, ampliando a divulgação dos trabalhos realizados sobre o Contestado, no Contestado e dos temas relevantes para os grupos de pesquisa, disponível em: https://www.atenaeditora.com.br/post-ebook/3361. Oportunidade nunca antes proporcionada para professores da educação básica por exemplo, ao estarem em contato com o que pesquisadores reconhecidos vêm produzindo atualmente.

Em 2021, o Segundo Congresso Nacional do Contestado e o segundo volume do livro Rede Contestado, disponível em: https://www.atenaeditora.com.br/post-ebook/4310, mostraram que a rede está se expandindo. Foram 28 artigos publicados com a colaboração de novos pesquisadores, oriundos de outros câmpi dos IFs e das instituições parceiras, além de 77 resumos expandidos publicados em: (https://publicacoes.even3.com.br/book/anais-do-segundo-congresso-nacional-do-contestado-415295). Realizado de forma online e transmitido pelo IFC Videira (https://www.youtube.com/watch?v=RdJCjon9ZUs&t=2078so), o congresso atingiu um público recorde e se consolidou como o principal evento científico da região. Isto demonstra que, a demanda pela divulgação científica na região do Contestado é crescente.

Além disso, novos documentários disponíveis no canal do youtube do IFSC Caçador foram produzidos. Os títulos “Invernada dos negros” (https://www.youtube.com/watch?v=5rbETobiNk8), “Vila usina” (https://www.youtube.com/watch?v=agfoNfinTno&t=4s), “Povos da floresta” (https://www.youtube.com/watch?v=iHKWi8T7Tp0&t=826s), “Contestadas” (https://www.youtube.com/watch?v=egxjhtw2wQA&t=2s), “Os guardiões do mensageiro” (https://www.youtube.com/watch?v=au2v2hO6lcE&t=760s) e o espetáculo “Natureza Cabocla ou Raízes e Asas” (https://www.youtube.com/watch?v=C9FccUiYadA) movimentaram a produção cultural no Contestado, contribuindo para a ampliação do debate sobre as desigualdades e a identidade na região. Neste mesmo período as músicas do projeto “Caboclos Rebeldes” disponíveis em: (https://www.youtube.com/watch?v=0QS0dS_qiu8)  foram gravadas pela cantora Rafaela Ventz no disco “Contestadas” (https://www.youtube.com/watch?v=PFgm731usbs), a ser divulgado na integra em março deste ano, financiado pelo edital Elisabete Anderle de estimula à cultura em Santa Catarina e fruto da produção artística promovida pela Rede Contestado.

Agora em 2022/2023 a agenda de divulgação científica promovida pela Rede Contestado tem uma nova ambição. Neste momento, planeja-se ampliar o alcance das atividades, na medida em que, com as ações propostas seja possível atingir demandas de maior necessidade da comunidade da educação básica, ao mesmo tempo que, utilizamos deste espaço para fortalecer as linhas de pesquisa e para ofertar espaços de protagonismo discente.  Portanto, o objetivo deste ano é realizar ações educativas que fortaleçam a identidade coletiva cabocla no Contestado, especificamente, na promoção da reflexão crítica do contexto local, das trocas de experiências entre comunidade acadêmica e associações populares, da percepção transversal da qual o foco na identidade coletiva possibilita, da produção artística, do atendimento ao público com menor acessibilidade visando à redução das desigualdades e o envolvimento das comunidades. 

As atividades serão organizadas nos espaços das escolas na forma de oficinas. As escolas irão aplicar seus trabalhos em outras escolas parceiras, promovendo o protagonismo discente e o intercâmbio cultural entre os alunos. Os professores e gestores interessados participarão de uma pesquisa sobre educação, cidadania e pertencimento. Adicionalmente, as ações serão acompanhadas de uma equipe de filmagem para produção de um documentário sobre as escolas no Contestado. Serão pelo menos 15 municípios da região do Contestado que participarão destas ações. Ao final propomos a organização de um evento para apresentação dos resultados dos projetos executados, bem como, a publicação de um material didático-pedagógico.

A atuação em rede neste projeto interliga vários grupos e seus atores sociais, se distinguindo de outros formatos de organizações hierárquicas. Essa característica potencializa a horizontalidade nas relações como um pressuposto básico. Logo, os mecanismos propostos de integração dos sujeitos na Rede Contestado de Educação, Ciência e Tecnologia, são fundamentais para motivar a sua participação nos processos de organização comunitária, tornando-os produtos e produtores da sua identidade coletiva.

Identificar-se é uma busca por reconhecimento daquilo que nos distingue, e por isso, a constituição desses processos reflexivos de identificação depende da forma com que se trabalha o conhecimento fornecido pela ciência, pelas artes, pela religiosidade e pelo ambiente em busca da transformação na estrutura social. Em função disso, o Contestado é colocado como condutor transversal, capaz dar unidade a todo o conhecimento produzido e compartilhado. Deste modo, assume-se a responsabilidade em estabelecer diálogos transversais e conexões explicativas entre os conhecimentos sobre a história, a geografia, a antropologia, a ecologia, a tecnologia, e, a realidade social, econômica e cidadã enfrentada cotidianamente por aqueles que têm inferiores condições de acesso.

No dia 03/02/22 será lançada a Rede de Educadores Caboclos na Jornada Chica Pelega em conjunto com as organizações sociais que compõe o Fórum Regional em Defesa da Civilização e da Cultura Cabocla. A personagem folclórica Chica Pelega representa também o rompimento do silêncio e da tentativa de apagamento cultural no Contestado. “Temos um sonho de fazer com que todas as atividades caboclas tenham esse caráter regional, as semanas sejam regionais, estaduais, para fortalecer ainda mais a história do Contestado e os projetos que no presente marcam a resistência cabocla”, diz o representante do Fórum. Enfim, fica o convite para que os educadores do Contestado, acompanhem a live e se sintam motivados a interagir e participar deste projeto.

Sobre o Auto:r Eduardo do Nascimento Karasinski, Professor Doutor do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do IFSC Caçador, eduardo.nascimento@ifsc.edu.br

Nota do Editor: Sobre a temática do Contestado, leia também http://jornalcaboclo.com.br/index.php/2021/09/13/rafaela-ventz-canta-maria-ninguem-escreve-edison-porto/

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