“Algumas das 23 coisas que não nos contaram sobre o capitalismo”. Por Saulo Rodrigues de Carvalho
Por Saulo Rodrigues de Carvalho
Antes que os mais esbaforidos me mandem ir para Cuba, quero ressaltar que esta breve reflexão se baseia no livro de um economista Sul Coreano e pasmem! Ha-Joon Chang é professor adjunto na University of Cambridge, que não é na Venezuela, mas na Inglaterra. Deixando, contudo, o sarcasmo de lado, o livro do qual tratarei nesta sessão intitula-se “23 coisas que não nos contaram sobre o capitalismo”, nele Chang desmistifica alguns dogmas do receituário neoliberal. Compartilho algumas de suas considerações sobre o desenvolvimento do capitalismo atual, buscando elementos para compreender os acontecimentos pós-golpe no Brasil.
Chang começa seu livro afirmando que “o livre mercado não existe”. A autorregulação do mercado é mito, como o de Sísifo ou de Adão que comeu o fruto proibido. Todo mercado possui regras que limitam a liberdade de escolhas. No início da industrialização era aceitável e comum que crianças trabalhassem nas fábricas, limpando chaminés, ou pegando restos de tecidos que caiam dos teares mecânicos. Essas crianças submetidas a jornadas extensas de trabalho, não podiam frequentar a escola e eram acometidas por inúmeros acidentes, que invariavelmente causavam sua morte. Quando a lei Inglesa passou a proibir o trabalho infantil para menores de 9 anos, os capitalistas da época se opuseram, defendendo que a regulação do Estado sobre a força de trabalho infantil contrariava o princípio da liberdade do mercado. Se fossemos seguir à risca o livre mercado, talvez ainda teríamos o trabalho infantil como prática comum nas fábricas. Para evitar o morticínio de nossas crianças trabalhadoras, foi necessário regular o mercado. É fato que o “livre mercado”, clandestinamente se utiliza do trabalho infantil, assim como do trabalho escravo em muitas de suas atividades altamente lucrativas, como o mercado de moda, de joias e mesmo o de tecnologia. Isso não é segredo mais para ninguém, mas as pessoas pensam que essas atividades clandestinas estão muito longe, na China, na Índia ou em Bangladesh. Talvez seja difícil mesmo encontrar formas de exploração do trabalho infantil ou análogas ao trabalho escravo nos grandes centros do capitalismo, mas no período áureo do mercantilismo, o trabalho escravo também era uma especificidade das colônias de exploração. Uma coisa é certa, a palavra “liberdade” pode ter uma conotação muito ampla quando se trata do mercado.
Outra ideia que Chang põe à prova é a de que as políticas de livre mercado tornariam os países pobres em países ricos. Lembram-se da velha historia de “crescer o bolo para dividir”? Bem, é mais ou menos isso que as políticas de livre mercado fazem com os países pobres. Crescem o bolo para os já endinheirados e mínguam a riqueza para os que têm pouco. Talvez o livre mercado tenha dado resultados nos Estados Unidos, mas mesmo lá o “American Dreams”, passou por uma bela remodelação no pós-guerra, que garantiu por um período, segurança e estabilidade para a classe trabalhadora norte-americana. Hoje, com a retomada do neoliberalismo não faltam bolsões de pobreza na “terra das oportunidades”. O discurso falacioso de que o Estado não sabe fazer escolhas econômicas se esvai quando se olha o cenário histórico mundial. Não existe economia hoje que não seja planificada e com forte ação do Estado. O que ocorre, no entanto, é a mudança de direção da ação estatal. As preocupações de cunho social, as políticas de pleno emprego do tal “Bem Estar”, deram lugar a compulsões estatísticas, gerenciadas por escritórios de risco, que avaliam e classificam as economias dos países, dizendo onde e quando se deve investir. Para cumprirem as metas, os Estados se preocupam mais com o ajuste fiscal do que com o “bem estar” de suas populações. Abrem os seus mercados internos, reduzem seus investimentos e leiloam o patrimônio público no afã de que isso irá manter a economia competitiva.
Por outro lado, China e EUA lideram o mundo com tarifas industriais de aproximadamente 30% no primeiro, e 55% no segundo. O discurso da redução do Estado e da abertura para o mercado estrangeiro serve apenas para as economias periféricas do capitalismo. No capitalismo desenvolvido a intervenção do Estado e a proteção do mercado interno, de um lado e de outro, não deixam de ser utilizadas. À bem da verdade “[…] as políticas de livre mercado são políticas que raramente funcionaram, se é que um dia deram certo. A maioria dos países ricos não utilizou essas políticas quando eram países em desenvolvimento, enquanto essas políticas desaceleraram o crescimento e aumentaram a desigualdade de renda nos países em desenvolvimento nas últimas décadas” (CHANG, 2013).
Sobre a Coreia do Sul, retrata o papel importante do Estado na reorganização da economia do país. O caso mais emblemático é o da LG, que na década de 1960 queria ingressar na indústria têxtil, mas o governo sul-coreano a obrigou, por motivos estratégicos a investir na produção de cabos elétricos. Hoje a LG é uma das empresas líderes mundiais na produção de tecnologia. Em 1970 foi a vez de a Hyundai ceder à pressão do governo para fundar uma empresa de construção naval. Não foi a livre iniciativa dos empresários que colocaram essas empresas no topo da produtividade capitalista, mas, o planejamento econômico liderado pelo Estado.
Algumas das lições que podemos tirar do livro de Chang e que temos sentido na pele ultimamente com o golpe no Brasil, é que as políticas de livre mercado trazem resultados desastrosos para quem vive do trabalho. Têm na verdade desacelerado as economias e contribuído para o aumento da desigualdade de renda entre ricos e pobres. Com a taxa de desemprego girando em torno de 10 a 15%, a liquidação do patrimônio público estatal e a paralisação dos investimentos, o Brasil terá logo em breve uma população de miseráveis. Se nenhuma medida for tomada para redirecionar o crescimento econômico com soberania e melhor redistribuição da riqueza, ficaremos à deriva, vulneráveis a pirataria das grandes corporações e aos caprichos do “livre mercado”.
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Sobre o autor: Saulo Carvalho é professor do curso de Pedagogia na UNICENTRO, campus Guarapuava-PR e Doutor em Educação Escolar pela UNESP-Araraquara; escreve semanalmente no Jornal Caboclo.
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