Jornal Caboclo

da região do Contestado, SC

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Um tributo à voz dos caboclos: Vicente Telles, escreve Leonardo do Valle

Vicente compôs o bugio “Alma de Jagunço”, entre outras canções e escritos enaltecendo o Caboclo do Contestado, resgatando uma história

Por Leonardo do Valle  (em 28-dez-2017)

Hoje se vai uma vida ao céu. Vida essa que tanto me inspirou musicalmente pela forma de pensar a arte e a história, sendo esta, inclusive, o aspecto principal pelo qual nutri tanta admiração pelo Seu Vicente. Acolherar à história a música, contar História – com H maiúsculo – por meio de trinos de botões e roncos de baixaria, na maneira mais original, autêntica que se consegue, sempre foi meu objetivo.

Vasculhei, vi, li e ouvi tudo que pude de manifestações culturais regionais e folclóricas, principalmente a música, idioma do qual compartilho em fala e compreensão. Inspirei-me em tantos ícones culturais tão próximos a mim, seres emanantes da arte de seu chão, e, curiosamente, sempre tive uma atração pelos nativos do cone sul da América do Sul, talvez por aproximação cultural. Entretanto, embora tenha bebido em muitas fontes distintas, vi no historiador Vicente Telles, além das várias características que me encantavam, uma particularidade: ele reproduzia musicalmente o som emanado da sua terra, do seu povo; da sua cultura, que também é a minha.

Cultura cabocla da nossa região do planalto catarinense tão pouco explorada ainda, tão exclusa, tão encoberta. Ao som da gaita dele, ouvia os causos dos antigos, via cenas de guerra, enfim, a reprodução desse universo, ou melhor, desse tacho borbulhante que é a cultura cabocla do Contestado, tacho no qual fervem e se mesclam águas das mais variadas vertentes.

É fato que se vive hoje a aurora do resgate cultural caboclo, e, também é fato, que há muito ainda a se produzir. No entanto, o trabalho histórico deste homem é um marco, é o palanque véio que sustenta tudo. Seu Vicente pode ter se ido, e pode ter ficado me devendo uma visita, como eu também fiquei a ele devendo, mas esse palanque, esse tronco imponente, cerno de imbuia, sustentáculo, hoje se acende e arde flamejante qual nó de pinho, alumiando toda a Aquarela Cabocla.

Vicente Telles adorava estar com o povo caboclo

Deus queira que quando eu garre a estrada do céu, sem alarme nem pressa, eu vá tropeando um lote de nuvens alçadas e amadrinhando a minha história e a de todos que me compuseram, e siga com a gaita no cargueiro, para pagar a visita que fiquei devendo ao grande palanque da cultura brasileira, Vicente Telles.
Segue uma mensagem que dele recebi expressando com eloquência uma ínfima parte de seu conhecimento e uma interpretação minha, há algum tempo gravada, do bugio Alma de Jagunço, de autoria dele próprio.

“Grato, caro Leonardo. São gestos como o seu que nos movem nessa senda. Somos, pois, a voz do sangue. Que glória! Indigna-me a omissão propositada da omissão da realidade histórica. A operação limpeza, implantada depois da guerra, ou melhor, do genocídio, consistia na prisão e execução sumária de veteranos e testemunhas oculares dos massacres. A execução ocorria na frente da família (da esposa, dos filhos), com o dedo em riste ameaçavam: ‘quem abrir a boca vai passar pelo fio desta faca também!’ Ainda na década de 80 conversei com uma senhora muito idosa que assistira em criança essa barbárie e trazia, fresca, na memória, a lembrança do sangue jorrando do pescoço do pai emitindo o som borbulhante saindo-lhe da garganta aberta!!! Tremia ao falar, dominada pelo trauma, transfigurada pelo medo, pressentindo ainda naquele momento, a chegada do monstro a qualquer momento… Na Aquarela Cabocla, citamos que se faltou a luz dos homens, veio a do Universo

para mostrar cadáveres de homens, mulheres e crianças, crematórios e traumas ocultos na negra noite secular dos ‘coronéis”.

Meus pêsames ao povo catarinense e paranaense pela perda que tivemos.

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Sobre o autor: Leonardo Francio do Valle, nasceu em Caçador e se criou em Santa Cecília – antigos Campos do Corisco. Desde pequeno lhe interessava a história regional, interesse o qual lhe vinha à tona e lhe era nostalgicamente inspirado pelos causos populares que ouvia, e lhe encantavam.
Descendente de sobreviventes da Guerra do Contestado – Manoel Gomes Peppes e Rita Francisca do Valle, que vieram a desbravar e formar o atual município de Lebon Régis, fugidos da gesta federalista -, sempre nutriu a paixão por esta cultura, até que, em 2013, com 12 anos, começou a aprender a tocar gaita com o ilustre gaiteiro do município de Caçador e fundador do conjunto Os Jagunços, Moacir Cardoso.
Autor de várias poesias e compositor de diversas músicas e melodias, segue transpondo a realidade com sua singela arte, inspirado sempre no folclore terrunho caboclo e em grandes nomes, como o saudoso Vicente Telles.

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