Assim nasceu o primeiro Tanque de Guerra Pesado do Brasil, escreve Adriano Fiaschi (Parte 1 de 2)
A ousada empresa de jovens engenheiros fez o primeiro e único “Main Battle Tank” brasileiro – Por Adriano Fiaschi
Já se passou um bom tempo, pois tudo ocorreu na década de 80. Hoje poucos conhecem o nome ENGESA ou sabem da sua história, seu nome completo era Engesa – Engenheiros Especializados S/A. Mas algumas pessoas, ainda vivas e trabalhando, participaram da saga da maior empresa brasileira de material bélico, eu inclusive. Havia lá um bom grupo de engenheiros, muito jovens, a quem foi delegada a tarefa de criar seus produtos, inclusive realizar seu projeto mais ambicioso, o tanque pesado sobre lagartas EET-1, sobre o qual me deterei. Acho que isso foi inédito e não imagino como poderia voltar a acontecer.
No caso do EET1, foi-nos imposta a meta única de construir em tempo recorde (menos de um ano) uma arma até melhor do que outras de última geração, produzidas na Inglaterra, na Alemanha, na França, nos USA. À época outros muito bons, como da Suécia e de Israel, por um motivo ou outro não eram considerados como concorrentes no nosso nicho.
Seu projeto deveria mirar máximo desempenho em ambientes desérticos, pois a Arábia Saudita seria o público alvo. Secundariamente deveria também operar bem em nosso país. Não precisaríamos prever seu uso em climas frios, com gelo e neve, ao contrário dos outros.
As demandas do projeto eram extremamente elevadas, deviam se enquadrar nas normas militares e especificações mais do que atuais. Seria impossível fabricar tudo do zero e quase nada havia no mercado nacional.
Para a “metade” veicular (de baixo) no Brasil não havia fabricante, por exemplo, de um motor diesel de alto desempenho e pequenas dimensões, item crucial para o projeto. Isso também ocorreu para a transmissão, freios, ventiladores especiais, suspensão, lagartas (esteiras na linguagem civil), alternadores (no fim seriam 2, sendo 1 tocado por uma mini-turbina), visores, conectores elétricos especiais, etc.
Itens nacionais, além da carcaça blindada, rodas de apoio, esticadores, assento e comandos do piloto (feitos na Engesa), havia as baterias, radiadores e resfriadores (5 enormes), além de filtros de ar, reservatórios de óleo e água, dutos de água, ar, óleo, todos especiais e construídos em duralumínio.
A blindagem foi fruto de estudos e testes extensos e foi toda desenvolvida pela Engesa. Havia superfícies (as mais expostas) com mais de 300 mm de espessura, mesclando camadas de aços especiais, cerâmicas e materiais compostos.
Para a torre, era ainda maior a proporção de itens, pois, além do canhão escolhido ser bem maior e mais potente do que tudo que havia no país, foi integrado ao projeto um sofisticado sistema de computadores de tiro e de controle e estabilização dos movimentos da torre que superava a concorrência em eficiência, até com o tanque em movimento e o alvo também se movendo (quem atira sabe como é difícil). Sem falar dos equipamentos de comunicação e sobrevivência contra ataques químicos e similares.
Descrito assim, parece que a nossa parcela de trabalho era pequena, mas, ao contrário, foi um esforço gigante garimpar ao redor do mundo todas as possíveis alternativas para cada um desses itens, identificar e escolher as que melhor se aplicariam ao nosso caso, negociar detalhe a detalhe as alterações em cada um desses itens adquiridos, para que se encaixassem no nosso projeto. Um dos pontos altos do projeto, por exemplo, a mobilidade, era garantida por um desenho e um balanceamento exemplares do chassi, que era sustentado por 12 unidades de suspensão hidropneumática que nos caiu no colo, um projeto inglês que havia sido abortado já que a modernização do tanque deles não saiu do papel. Coube a um grande amigo meu terminar esse desenvolvimento com a suspensão já montada no protótipo. Fazer as doze unidades independentes operarem de forma harmônica em qualquer situação não era tarefa fácil.
Estava sob minha responsabilidade o conjunto do “Powerpack”, que correspondia ao conjunto motor/cambio/arrefecimento/sistema de direção/freios, compactado num bloco monolítico com umas 5 t de peso, com mais de 1.000CV, 4 marchas para a frente, 2 à ré, 12 raios de direção e pivô. Esse bloco podia ser içado inteiro do seu compartimento estanque, bastando para isso desconectar tubos de combustível, 2 conexões do escapamento, 2 parafusos por baixo da viatura, 2 mangas das pontas de eixo e 4 parafusos que fixavam as laterais da caixa de transmissão. Trocava-se o conjunto em menos de 20 minutos.
O assunto é extenso, por isso pretendo avançar em detalhes numa próxima coluna, para mostrar que em nosso país podemos pretender fazer de tudo, mas nos falta (quase sempre nos faltou) os elementos facilitadores ou viabilizadores de empreendimentos mais ousados.
Nota do Editor: A Engesa desenvolveu, produziu e exportou para mais de trinta países, da África, Oriente Médio e América do Sul, caminhões, jipes e blindados leves como o EE-9 Cascavel, armado com canhão de 90 mm, e o EE-11 Urutú, carro anfíbio de transporte de tropas, estes dois considerados armas táticas. O EE-T-1 Osório, como carro de combate principal (MBT – Main Battle Tank) é uma arma considerada estratégica.
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Sobre o Autor: Adriano Fiaschi – Engenheiro Mecânico com mais de 40 anos de experiência e vários cursos de pós-graduação e especialização em termodinâmica e energia. Autor de papers nessas áreas, professor da UNICAMP por 4 anos. Consultor internacional para processos industriais, processos de conversão de biomassas e de conservação de energia, atuou para várias empresas e instituições como VALE, AGN, AMYRIS, BIOCEL, RAUDI, ARISCO, ENGESA, IPT, etc.
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