Contestado, uma história a contestar, escreve Thyago Weingantner
Uma memória a preservar
Por Thyago Weingantner de Oliveira Ramos
A história do Contestado pode parecer um tema um tanto vasto, são várias as publicações já feitas sobre o tema, livros, artigos, documentários, peças de teatro, músicas; diferentes segmentos têm por tema esse tão fatídico acontecimento da nossa região. Mas, parece que quanto mais se explora o tema, mais oportunidades de temas surgem para escrever sobre ele, nunca é o bastante.
Destaca-se o fato de que nos dois últimos anos, a região foi palco de várias conquistas, como por exemplo, o I Congresso Nacional do Contestado, que aconteceu nos dias 11 a 15 de junho de 2019, movimentando toda a terra contestada. Mas, apesar de todo esse esforço que está sendo construído por uma “irmandade cabocla”, a região ainda sofre com tentativas de concretizar o “apagamento da história do Contestado”. Esse “apagamento” remonta à uma tentativa de silenciar a história, por exemplo, quando se fala em Canudos logo se associa a obra de Euclides da Cunha, e ao se fazer o mesmo sobre o Contestado, dificilmente se obtém uma resposta semelhante. A República tratou de silenciar a história do Contestado. No último dia 24 de maio de 2020, em uma passagem rotineira pelo Marco Histórico do Contestado na cidade Calmon, SC, para a infelicidade, minha, e de toda uma história (e a memória de um povo massacrado) observei que o monumento se encontra danificado.
O Marco foi erguido em meados de 1986, em alusão aos 70 anos do fim da Guerra do Contestado (1912 – 1916), pelo então governado Esperidião Amin, como parte de seu projeto de campanha na década de 80, quando levantou a bandeira da “luta dos pequenos contra os grandes”. Essa epopeia de Davi contra Golias parece nunca ter fim em terras contestadas, pois a todo momento se faz necessário o levante dos pequenos frente às autoridades. Falo isto pois, após me deparar com o monumento danificado, busquei estabelecer contato com as devidas autoridades, por meio de e-mail, que ainda não foi respondido. Buscando meios de resolver o problema, busquei também a Fundação de Cultura Catarinense, responsável pelo monumento. Na esperança de que as autoridades municipais já tivessem informado a Associação de Desenvolvimento do Turismo Caminhos do Contestado, entrei em contato com a entidade também, cuja responsável revelou certa surpresa quanto ao dano, se prontificando a entrar em contato com as autoridades municipais.
Um completo desrespeito com a história e a memória de um povo, Calmon é de extrema importância para se compreender a saga contestada. A sua participação na história do Contestado não pode ser deixada de lado e muito menos apagada, vilipendiada ou destruída. Essa guerra que ceifou milhares de vidas, serviu ao menos ao interesse de grandes poderosos, garantindo o pertencimento ao Estado de Santa Catarina deste valioso território, o que para muitos deve ser um feito louvável. Os impactos do conflito ainda estão presentes no cotidiano da região do meio-o este catarinense, basta uma simples volta pela região, ou uma simples consulta aos índices de desenvolvimento humano, para que possamos perceber a desigualdade social que nos é gritante, e que é expressa em números para qualquer um ver, que somos hoje região mais pobre de Santa Catarina, pois ao se comparar o IDH de Calmon que é 0.622, com o IDH de uma cidade litorânea, é visível a diferença, e isso ocorre em toda a região Vale do Contestado (IBGE, 2010).
O envolvimento de Calmon no conflito, está diretamente relacionado com a posse e a exploração das terras, pois sua criação está associada ao decreto nº 7426 de 27 de maio de 1909, que autorizava a instalação da companhia Southern Brazil Lumber & Colonization Company possibilitando a extração de madeira nativa da região, bem como um projeto de colonização com a venda de lotes, chácaras e colônias no território que hoje corresponde a Calmon, SC (Valentini, 2015).
A instalação da companhia Lumber representa a continuidade do processo de expulsão da população cabocla, um dos motivos que serviram de estopim para a Guerra do Contestado. Com a deflagração do conflito, uma série de ações foram tomadas, mas vale aqui ressaltar que a população espoliada e expulsa de suas terras, foi atacada pelas forças públicas no que ficou conhecido como combate do Irani (ocorrido no ano de 1912), resultando em ações ofensivas por parte da República, a partir do segundo ajuntamento em Taquaruçu, território hoje pertencente ao município de Fraiburgo, SC, ao longo do ano de 1913. A população se ajuntou e formou redutos pelo sertão contestado, buscando viver em harmonia com os ensinamento do Monge João Maria. Revoltados com a sua condição, assolados por constantes ataques das forças da República, a população cabocla reagiu; na manhã de 05 de setembro de 1914, Calmon foi alvo de “violenta investida por parte da população cabocla”, incendiando a serraria e as feitorias da companhia Lumber (AURAS, 1997).
Do ataque realizado, foram poupadas mulheres e crianças, e um bilhete foi deixado no local. Esse mesmo bilhete está reproduzido no Marco do Contestado, e no portal da cidade de Calmon, mas parece que a sua mensagem não foi interpretada até hoje, pois, apesar de visível a todos, muitos se encontram cegos para o passado. Esse é um processo que marca a história do Contestado, dada a violência empregada pela República e pelas forças “legalistas”.
Por que isso é importante? Entender nosso passado e para que gerações futuras tenham acesso à nossa memória, devemos refletir que, com a rapidez com que nos chegam mais e mais informações, a sociedade brasileira, com seu viés progressista, sempre volta seus olhares para o futuro, e “o que ficou para trás não importa”. Será que não importa saber de onde viemos, e como chegamos até aqui? Essa reflexão nos permite repensar e reconhecer os erros cometidos no passado, e está diretamente ligada à memória e à identidade individual do sujeito, e essa identidade está relacionada à uma memória coletiva. Não se pode anular nenhuma forma de preservar o passado, pois se prejudica ou a memória coletiva, ou individual, e cada vez mais devemos reconhecer que a sociedade é plural!
O que preservar? Essa escolha está diretamente ligada ao momento que aquela sociedade está passando. Que história que se quer contar? O problema do Contestado, é que não querem contar a sua história, e isso é expresso quando um simples monumento (para alguns) é tratado com desleixo, quando o mesmo é danificado aos olhos da população, e ninguém fala ou faz nada. Mas esse monumento tem muita representatividade, ele exala os mais altos valores humanos, e o seu abandono, fala muito dos valores sociais cultivados hoje, inclusive por aqueles que estão no poder.
Daí a eterna luta de Davi contra Golias em terras Contestadas. Os poderosos podem até tratar com desleixo a história de um povo, mas passados mais de 100 anos, eles ainda não conseguiram nos calar, porque mais do que nunca, O CONTESTADO VIVE! E vamos aguardar ansiosamente a sua restauração.
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Sobre o Autor: Professor de História no Município de Rio das Antas; Pós graduado em Gestão Escolar; Entusiasta da causa cabocla
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Parabéns muito bom o conteúdo!!!