O Barbeiro, escreve Maurício Moura
Lembranças da barbearia como era por volta de 1960
Por Mauricio Antônio Moura
Os anos, 1960 e um pouquinho.
O Local: Vila Industrial, claro. Cafundós da Zona Leste!
Num pequeno espaço, não mais do que 15 metros quadrados,
na Avenida Moraes Costa, lá estava o Seo Dario, o único “ cirurgião- barbeiro” daqueles longínquos e quase inacessíveis lugares…
Seo Antonio, meu pai, era enjoado e mantinha seu artístico “moustache” sempre bem alinhado…desenhado…coisa fina!
Então me levou no Dario Barbeiro para ver a arte daquele que seria por muitos anos, aquele que deixaria marcado por todo e sempre …
O salão.
Como disse, era pequeno.
Uma, somente uma cadeira para as operações a serem impetradas.
Era quase um trono! Algo quase que celestial…
Atrás dele, a plateia: quatro ou cinco cadeiras, duras feito pedra!
Ao lado, umas banquetas que tinham sobre si alguns exemplares,
semi-rasgados, calejados pelo uso…
O Cruzeiro, Manchete, alguns gibis, se bem me lembro… velhos e desgastados.
Gostava do “ O amigo da onça” do impagável Péricles…
Os equipamentos
As várias maquininhas de corte (talvez número 1 ou 2, 3 sei lá…). Várias tesouras e inúmeros pentes e algumas …navalhas…
E o trono. Em geral, da marca Ferrante, lá da Rua Independência, no Cambuci. Eu via meu pai se sentar ali no trono e apoiar os pés sobre uma espécie de estribo de ferro…
Pousava seu corpo no encosto da cadeira, botava a cabeça num suporte acoplado na cabeceira do protótipo e se oferecia ao profissional, que, possivelmente pensava: é comigo!
O ensaio
Dario, o barbeiro, apanhava a navalha e passava pra lá e pra cá numa tira grossa de couro acoplado à cadeira. Sei lá por que.
Chelep pra cá…chelep pra lá… aquilo dava um arrepio danado na barriga.
E o velho lá, estendido… relaxado!
A conversa
O bate papo fluia. Eu, claro, nada entendia. Provavelmente falava-se de Jânio Quadros (o pai era Janista) e Ademar de Barros. Do Juscelino e do Teixeira Lott. Do Santos de Dorval, Mengalvio, Coutinho, Pelé e Pepe e da vítima preferida: o time da “ fazendinha”
Possivelmente a Martha Rocha, a Angela Maria, o Orlando Silva, Nelson Gonçalves…
E os empregos, claro.
As novas fábricas de carros, a Volks, a GM, a Willys…
As Brastemp, Philco, Pernambucanas, Mappin…
As Grandes Jornadas Esportivas, a Tupy, a Hebe Camargo, o Walter Forster e quem sabe a Rainha Elizabeth…
O pincel. A canequinha de aço…a espuma e o balançar da navalha. argh!,!
E o chelep, chelep…
Terminado o ritual, o aroma, o inesquecível aroma da loção após barba. Bozzano? Willians? Até hoje, aromas inesquecíveis…
Ah! E tinha uma bombinha provavelmente cheia de talco que o Dario borrifava entre o pescoço, e passava, finalmente, uma escovinha de pelos para remover possíveis restos mortais dos cabelos impregnados no corpo e na camisa.
O Gran Finale:
Ele vinha com aquele espelhinho “sem vergonha”, arrastava-o pra lá, pra cá, não dava nem tempo da “vitima” se localizar… Gostou?… Gostou?…
Sempre gostava!
O pai levantava do trono, sacudia as calças, balançava o corpo e triunfante, tirava algumas notas da carteira e se acertava com Seo Dario…
Eu olhava tudo aquilo e, provavelmente aplaudia aquela encenação.
Tanto que ainda sinto o talco no ar, o perfume da loção preenche meus pulmões, sinto o deslizar da navalha, ouço o tréc-tréc da maquininha número 3, quando não, uma “glostora” ou “ brylcream “ dando corpo aos cabelos… e aquele cheirinho de saudades que preenche a alma!
E nós, eternos meninos, como resistir a uma “Ferrante”?
Nota do Editor: A foto de capa mostra o “Salão Preferido” que ficava na Rua Florêncio de Abreu, 36 – 1º Sub-solo, ao lado da Livraria Revisal de publicações alemãs. Em primeiro plano o barbeiro é o saudoso Eugênio José Porto, meu pai que era um dos quatro ou cinco sócios desta barbearia tradicional que tinha 10 cadeiras Ferrante e atendia banqueiros e empresários. Teve como cliente o 13º Presidente do Brasil, Washington Luís Escrevi sobre meu pai em:
Meu pai me ensinou, escreve Edison Porto
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SOBRE O AUTOR: Maurício Antônio de Moura, 70, casado, pai de tres filhos(as) e avô de cinco netos(as), é natural de São Paulo-SP. Empresário e ensaísta nas horas vagas, participa de alguns grupos onde o ser humano e o meio ambiente que o acolhe são vozes inconfundíveis nessa essência do viver! Descobrir o encantamento natural da ordem das coisas, bem como a centelha de criatividade que habita o ser humano, são suas prerrogativas…
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