Professoras e professores marcam vidas, escreve Edison Porto
No Dia do Professor lembranças de quem fez parte da minha formação
Por Edison Cosa Porto
A minha primeira professora se chamava Dona Oneida e foi ela quem me ensinou a ler e escrever usando a Cartilha Caminho Suave, de autoria da Profa. Branca Alves de Lima, uma maravilhosa obra que faz parte da história de muitos brasileiros que como eu foram alfabetizados com uso daquelas inesquecíveis imagens com as letras iniciais do que representavam, como: A de abelha; B de barriga; C de casa; D de dado; E de elefante; F de faca; G de gato…Dona Oneida na minha lembrança de hoje, seria uma senhora com jeitão de uma tia mais seriona….
Eu me lembro do prazer que era começar a ler. Eu ficava muito feliz quando conseguia ler alguma palavra nas placas pelas ruas onde passávamos de ônibus. Eu lia em voz alta para meu pai ver que eu estava aprendendo a ler. Começava lento, gaguejando até pronunciar a palavra toda com perfeição e alegria.
Era 1961, entrei na Escola Estadual Demóstenes Marques com seis anos, porque só em junho eu completaria a idade de sete anos, exigida na época para se cursar o primeiro ano primário. Era uma escola de madeira no Bairro do Ipiranga na Capital de São Paulo. Ela ficava na Vila Moinho Velho, bem na esquina da Rua Regino Aragão com a Via Anchieta, rodovia que liga a Capital à cidade de Santos.
Havia alguma torrefação de café por perto, porque durante a aula o aroma de café era intenso e inesquecível.Um som de fundo bastante constante era o canto do tico-tico que quando ouço hoje fecho os olhos numa viagem no tempo há 63.
Dos colegas de classe eu me lembro com clareza de três meninas que reencontrei pelo Facebook e mantenho contato: Vilma Cruz Costa, Elisabeth Moneratto e Lídia Salgado, para mim eternamente menininhas queridas a quem peço a Deus saúde e proteção.
Nesta mesma escola eu me lembro da Profa. Terezinha, do segundo ano primário. Ela me ensinou a ter uma letra muito bonita, inclinada para a direita adotando um posicionamento também inclinado do caderno. Pena que o tempo levou embora aquela minha linda caligrafia. A Copa do Mundo de 1962 estava rolando e eu ganhei um “bolão” da classe, com o palpite de Brasil 3 – Tchecoslováquia 1, o curioso era a constituição do bolão: ganhei lápis já bem gastos “no toquinho”, notas e moedas de cruzeiros e algumas borrachas, entre elas aquela da marca mercúrio, nas cores vermelha e azul para apagar escritas com caneta.
No ano de 1963 a escola se mudou para o outro lado da Rodovia Anchieta, agora uma escola grande em alvenaria, na Rua Alencar Araripe – Sacomã. Só me lembro da Diretora, a Profa. Maria José, muito rigorosa, uma vez me pegou conversando e desatento sem “fazer a formação” com os braços estendidos na hora de cantar o Hino Nacional, antes de entrarmos para as classes, levei um baita puxão de orelha. Depois de casado fui com meu pai visitar aquela megera na casa dela, pois na verdade se tornou para nós uma amada professora/diretora que nos ensinou disciplina e de quem lembro com emoção.
O ano de 1964 foi marcante porque saí do Demóstenes Marques para uma escola municipal, Escolas Agrupadas do Jardim da Saúde, devido a mais uma mudança de residência. Caí com a temida Profa. Zilda Lamanéres, ela tinha fama de ser o terror da molecada e, de fato, quebrou pelo menos duas réguas de madeira na minha testa. Ou as réguas eram muito fracas, ou minha testa era muito dura, porque doía mais a vergonha do ato dela, do que da reguada.
Eu que na outra escola era um aluno razoavelmente aplicado, comecei o 4º ano primário desatento e bem folgado. Não fazia as lições de casa, mas “garoto esperto” ao chegar à classe eu abria o caderno e fazia de conta que estava acompanhando a correção das tarefas que a Professora Zilda fazia na lousa.
Mas um dia me distraí conversando com um colega e deixei o caderno embaixo da mesa, a classe que estava ruidosa de repente ficou em silêncio quando virei para o lado notei o corpo da professora ao meu lado e fui subindo o olhar para encontrar o rosto dela, mas não deu tempo de chegar nele, interrompido que fui por uma reguada que veio não sei de onde se despedaçando na minha testa.
Eu já tinha levado alguns puxões de orelha e, também, já tinha tido uma régua quebrada na testa, só porque meti um compasso na coxa de um moleque que me perturbava muito (hoje se diria “bullying”). O valentão se derreteu todo em choro e nunca mais me perturbou, o que fez valer a reguada e o puxão de orelha que me pendurava na ponta dos pés me levando para fora da sala, onde se ficava de castigo no corredor esperando o diretor que também puxava minha orelha. Talvez por isso que eu tinha certa “orelha de abano”….
Mas neste dia da lição de casa faltante, eu fiquei super envergonhado quando ela ordenou que eu fosse resolver as questões da tarefa de casa na lousa, era algum problema de aritmética que eu não tinha a menor ideia de como resolver. Embora uma fera, a Dona Zilda até que foi bem camarada, e deu uma saída da sala, talvez percebendo que eu não sabia resolver o problema, dando chance para que algum colega me socorresse.
Eu bem que pedi ajuda, mas só riam de mim e ninguém me ajudou. A professora veio e me pegando pelos cabelos batia minha testa na lousa: bam, bam, bam! Ainda bem que a lousa era um tipo de dispositivo de madeira longe da parede. Novamente “nem doeram” as cabeçadas na lousa, mas doeu muito a vergonha e também a raiva dos alunos que não me ajudaram.
Estas coisas na década de 60 eu suponho que eram comuns e bem melhores do que nas décadas anteriores quando existiram os castigos com palmatória e de ficar ajoelhado no milho. Castigos inimagináveis nos dias de hoje.
Pois bem, com o que hoje se chamaria de violência eu não me transformei num marginal, nem ao menos piorei como aluno, muito ao contrário, talvez devido à raiva da turma “desleal” eu passei a fazer as tarefas de casa e me saia muito bem em qualquer problema, agora era eles que precisavam da minha ajuda. A partir deste episódio, era sempre eu que ficava com a medalha de honra ao mérito de melhor nota do mês. Até então esta medalha ia mudando de mãos a cada mês, mas depois que a ganhei a primeira vez, nunca mais passou para outras mãos e a tenho guardada até hoje.
Além da medalha “mensal”, no final do ano eu ganhei mais uma medalha de honra ao mérito por ter fechado o ano como o melhor da turma. Fui escolhido como orador de toda a escola na cerimônia de encerramento do ano, o que deixou meus pais bastante orgulhosos. Hoje entendo a alegria dos meus pais com um filho que dali pra frente se tornou um bom estudante. Algum tempo depois soubemos que a Dona Zilda adoecera daquela doença que ninguém gosta de mencionar, fui visita-la e fiquei muito triste quando ela faleceu. A bruxa megera era na verdade uma fada madrinha que talvez tenha mudado o curso da minha vida.
Naquela época existia um “quinto ano” para depois se fazer o exame de admissão no curso ginasial. Mas eu já tinha planejado meu futuro baseado num quadro de cursos que a ex-megera Zilda me emprestou para eu levar para casa. Eu me lembro na cama de meus pais eu mostrando o quadro e calculando em que ano eu terminaria um curso e começaria outro. No meu planejamento não constava um quinto ano primário, pois de fato eram só quatro. Então peguei emprestado do vizinho, mais velho, um “Livro de Admissão” (base deste curso), estudei por conta, frações, conjuntos e outros itens não reforçados até o quarto ano e fui aprovado na admissão ao curso ginasial.
Cursei o ginasial de 1965 a 1968, no Colégio Estadual Prof. Gualter da Silva no Sacomã, onde tive professores maravilhosos e passei por alguns “males entendidos” que me fizeram ir de castigo para a Diretoria, depois de levar carraspanas das professoras. Mas por dois anos ganhei livros da excelente Profa. Yara de matemática, como o melhor aluno da turma e os guardo com muito carinho. Ao final do curso ginasial ganhei um livro do Diretor, saudoso Prof. Carvalho, como o melhor aluno da turma.
No curso colegial e depois nos cursos universitários e extracurriculares sempre encontrei professores maravilhosos que marcaram minha vida com ensinamentos e boas lembranças. É interessante observar que até o Colegial os professores muito raramente eram contestados, o que diziam, suas ações e atitudes eram respeitadas. Eram a Lei! Só na Universidade é que aos poucos fui percebendo que nem sempre os professores estavam certos e que valia contestá-los, mesmo que isso representasse represálias nas notas, como infelizmente vi acontecer. Mas mesmo estes professores foram importantes para meu crescimento não só profissional, mas como pessoa também.
Desde os seis anos de idade até hoje eu sempre me mantive aprendendo, um curso atrás de outro. Quando não era um curso da minha área profissional, era algum de interesse pessoal, como por exemplo: Introdução a Astrofísica na USP, ou História das Religiões também na USP.
Nesta busca por conhecimento aos 62 anos eu ingressei no curso de Jornalismo na Uniarp em Caçador, mas no ano seguinte deixei algumas disciplinas para depois porque resolvi fazer o curto de Técnico em Agronegócios no SENAR – Fraiburgo, no qual me formei aos 64 anos. A foto de capa desta história mostra a minha alegria de toga e capelo (chapéu) de formatura; foi a minha primeira oportunidade de usar a beca que não usei na minha primeira graduação.
Eu não me lembro de porque na minha formatura de graduação em administração na Eaesp/FGV não usamos beca e capelo. Foi apenas uma cerimônia de entrega de diplomas no Centro de Convenções do Anhembi, usamos terno mesmo. O marcante daquela formatura foi o nosso paraninfo, senador gaúcho Paulo Brossard. Daí que aos 64 anos a minha formatura como Técnico em Agronegócios foi como se tirasse um recalque do que não aconteceu em 1977, época difícil do Brasil.
Hoje continuo estudando, dou continuidade ao Curso de Jornalismo, agora no formato EAD (Ensino à Distância), mas sempre com o instrutivo e para mim alegre contato com os professores em geral pela internet, mas sempre com a oportunidade para um abraço.
Também fui professor, fiz algumas palestras na área de custos e finanças e dei aulas de Estratégia Financeira na Universidade do Guarujá – SP, e também de Contabilidade na própria UNIARP – Universidade do Alto Vale do Rio do Peixe em Caçador. Mas sem sombra de dúvidas, embora eu tenha prazer em repassar tudo o que sei, eu prefiro muito mais ser aluno do que ser Professor, são duas responsabilidades diferentes. Ser Professor é marcar a vida dos alunos para sempre!
Gratidão a todos os meus Professores, Mestres de uma vida!
(O Dia dos Professores foi ontem, vi muitas homenagens nas redes sociais e comecei a rascunhar esta história, como minha homenagem a eles, nossos professores e professoras).
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Sobre o autor: Edison Porto, Consultor de Negócios, administrador pela Eaesp/FGV; MBA em Finanças pelo IBMEC-SP, bacharelando em Direito e acadêmico de Jornalismo; Técnico em Agronegócio – SENAR SC; Presidente do Conselho Municipal de Turismo 2023/2025; membro do Conselho Municipal de Cultura, do Conselho Municipal de Meio Ambiente, do Conselho Consultivo da Floresta Nacional de Caçador ICMBio; e da Associação dos Amigos do Museu do Contestado. Afiliado aos Clubes de Observadores de Aves do Contestado e de Caçador (COAC e COA Caçador). Faz parte das diretorias da OnG Gato do Mato, do CTG Estrela dos Pampas. Ocupa a cadeira nº10 da Academia Caçadorense de Música. Editor do Jornal Caboclo. Detentor da Marca Registrada no INPI: IMPRENAUTAS – Informação e Cultura.
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