Jornal Caboclo

da região do Contestado, SC

Colunas e Opinião

Minha mãe me ensinou amar, escreve Edison Porto

Mamãe, uma história de Amor

Por Edison Porto

Ela nasceu em Nova Friburgo, região serrana do Estado do Rio de Janeiro. Por volta de 13 anos de idade foi levada pelos pais, Albino Silva e Rosa Costa, com mais 11 filhos, para o interior de Presidente Prudente, no oeste do Estado de São Paulo. Ali viveram por um tempo numa fazenda de Japoneses (que nunca descobri o nome, nem localização), colhendo algodão. Ela sofria muito com alergia do algodão nos olhos.

A mãe contava que um dia vovô Albino ficou furioso e queria matar o dono da fazenda, porque o viu atravessando o terreiro pelado, com uma toalhinha na mão, indo para o banho, coisa natural para os costumes japoneses da época. Mas como poderia aceitar isso? Um homem andando pelado onde vivia com seis filhas, a mais jovem com apenas 13 anos.

Antes mesmo de ser alfabetizado, ela me ensinava palavras japonesas que aprendera naquela fazenda, tais como: “yubí” = dedo; “catá” = costas e “tê” = mão. Mas uma noite, a família toda fugiu dos japoneses e daquele conhecido esquema de escravização, no qual os empregados consomem gêneros alimentícios e outras coisas da fazenda, criando uma dívida que nunca conseguem pagar com seu rendimento lá.

Soube através de meu tio Odil, o caçula da Vovó Rosa, que minha mãe era orientadora das crianças nos cultos da Igreja Presbiteriana de Presidente Prudente. Ele dizia: “Era muito bonito ver sua mãe mocinha, seguida por um monte de crianças que a adoravam.”  Ouvi dizer que naquela igreja ainda existe uma toalha do altar com o nome de várias pessoas daquela época, incluindo o de minha mãe, Celina Costa Porto. Este é o nome dela que só descobri na escola, porque todos sempre a chamaram de “Célia”, “Dona Célia”, ou “Tia Célia”.

Mamãe conheceu meu pai e por ele se apaixonou, dizia que era muito galanteador. Ele nasceu em São Simão, norte de SP, mas ainda bebê foi levado pela italiana Vovó Raphaela que ao enviuvar do Vô José Porto: “…com sua penca de filhos tomou o noturno para Presidente Prudente, emigrara de novo…” Registro feito pelo autor Altino Bondesan, em seu livro “Menino Pobre”.

Um dia publicarei um belo texto do Tio Odil da Silva Costa, “O Beijo”, no qual ele conta quando meu pai, pela primeira vez, beijou minha mãe. O Tio era o “segura velas” dela, por ordem dos meus avós. Naquela época não se deixava uma jovem ficar só com um homem, quanto mais com um namorado!

Ali no interior de São Paulo, nasceram meus irmãos Eugênio José que com 76 anos vive hoje em Goiânia GO, e Eduardo, que partiu aos 65 anos, em 2013. Quando eles eram bem meninos, meus pais se mudaram para a Capital de São Paulo, onde nasci em 1954. Cerca de um ano depois, nasceu minha irmã, Célia Maria. Minha mãe teve os quatro filhos em casa, com a ajuda de parteiras no caso do Zé e do Eduardo, mas já em SP, ainda que em casa, quem fez os partos meu e de minha irmã, foi o Dr. Amilcar Yazbeck, o médico da família por muitos anos. A mãe tinha medo de ir para o Hospital, por isso se segurava ao máximo para ter os filhos em casa.

Minha mãe foi cabelereira, lavadeira, costureira e artesã, sempre ajudando a complementar a renda do meu pai que até por volta dos seus 60 anos, foi barbeiro. Uma profissão que aprendera na adolescência, em Presidente Prudente, segundo ela dizia “ajudando o barbeiro a cortar os cabelos dos soldados que iam para a guerra”.

Durante anos, havia em casa um equipamento estranho que ela dizia que era a máquina de fazer permanente, dos tempos de cabelereira. Mas eu gostava mesmo era de brincar no pedal da sua máquina de costura Singer. Gostava também de tocar no braço dela e sentir a eletricidade estática de quando usava o motorzinho.

Minha mãe nunca parou de trabalhar, e sempre encontrava coisas para fazer e ajudar a pagar as despesas de casa. Uma carga extra, além do seu trabalho para cuidar do marido, quatro filhos, depois cinco, contando com o Alexandre José que adotamos lá pelos anos 60.  Eu gostava de passar as toalhas da barbearia do pai, que ela lavava, mas as lisas, as toalhas felpudas não alisavam e eu não gostava. Os aventais da barbearia….nem pensar, era muito complicado de passar e só ela o fazia.

Com sua renda extra, minha mãe chegou a comprar terrenos no incipiente município de Diadema, onde duas irmãs dela já moravam, Tia Dolores e Tia Chiquinha. Lá meu pai acabou construindo uma casa. Lembro bem como era linda aquela pequena cidade, onde minha família fez parte dos pioneiros, época de seu primeiro Prefeito, Prof. Evandro Esquivel que cheguei a conhecer.

Mas moramos pouco tempo em Diadema. Em menos de dois anos, voltamos para o bairro do Ipiranga, onde nasci e onde meus pais viveram até o fim de suas vidas. A primeira casa de que me lembro, ainda existe e do mesmo jeito que era na Rua Lino Guedes, próximo da Rua Vergueiro. Nesta casa criávamos muitos coelhos. Nela me aconteceu uma tragédia anunciada que ficou na minha memória até hoje, embora eu tivesse apenas cerca de dois anos de idade.

Eu estava no meu cadeirão de madeira encostado à mesa, creio que após o almoço. Havia uma garrafa de guaraná na mesa e ela, ocupada lavando o quintal, disse:  “Menino, cuidado, você vai quebrar esta garrafa e cortar o pé!”  – Dito e feito, deixei a garrafa cair, e na inocência de bebê, fui descer do cadeirão e pisei no caco de vidro!   Ainda me lembro de chorar, montado de cavalinho no meu irmão Zézinho, que vestia uma camisa xadrez onde pingava meu sangue. Comigo assim sangrando, ele correu para pegar o ônibus da Viação Ipiranga, para me levar para o Pronto Socorro Municipal. Cenas que pelo trauma, nunca saíram da minha mente.

São muitas lembranças gostosas de minha mãe. Ainda hoje tenho saudades dos pratos que preparava para os deliciosos almoços de sábado e de domingo, onde nossa casa enchia de gente, primos, amigos dos meus irmãos e meus também. Todo mundo gostava de sua macarronada, das lazanhas (com presunto e muzzarela, não com carne moída), das carnes assadas, saladas, etc… Meu pai temperava. Quando o prato ia ser bacalhau ou feijoada, um dia antes ele já colocava de molho para diminuir o sal. Muitas vezes ajudei a cortar os pastéis, a passar na máquina de rolo, as massas que ela fazia. Mamãe era uma cozinheira maravilhosa.

Inúmeras vezes acompanhei minha mãe em suas longas caminhadas, de nossa casa até o centro comercial do Sacomã, onde comprava linhas, agulhas, ilhoses, tecidos e outras coisas para seus trabalhos. Eu me lembro quando me levou para comprar meu primeiro terno, aliás de cor avermelhada e bem diferente, mas lindão para a época. Foi nas Lojas Pitter na Rua Greenfeld . certamente há quem de lá vá se lembrar desta casa. Eu tinha começado a trabalhar no centro da cidade de São Paulo, já tinha meu diploma de datilografia!

Mas antes deste trabalho registrado, ela arrumou com o Sr. Jacó, para eu cobrar suas prestações pelo bairro do Ipiranga, desde o Museu até São João Clímaco. Ele foi um simpático judeu que vendia “à prestação”: cortes de tecido, toalhas, lençóis, fronhas, guarda-chuvas, etc….Minha mãe sempre me apoiou em tudo!

Nesta época, por volta dos meus 13 para 14 anos, meu pai estava muito adoentado, depressão profunda. E ela mesmo sem escolaridade nenhuma, foi fazer um curso de Psicanálise para ajudar meu pai. Eu ia buscá-la na Rua Quirino de Andrade, Centro da cidade, muitas vezes chegava antes da aula dela terminar e aproveitava para escutar os ensinamentos do Dr. Plácido Affonso, autor do livro “O Pensamento sadio torna a humanidade feliz”. Era a única criança naquele curso, ouvindo falar de Freud e da sexualidade, talvez a única criança a ouvir sobre tal tema nos anos 60.

Durante toda a minha vida, vi minha mãe ajudando familiares, vizinhos e pessoas desconhecidas. Uma atitude comum de meu pai também. Os dois só tinham o curso primário, mas ele era bem culto, porque lia as publicações que sua barbearia assinava:  Os jornais “O Estado de São Paulo”, “Gazeta Esportiva” e “Folha de São Paulo” e as revistas “Manchete” e  “O Cruzeiro”. Além destas leituras, como nunca dirigiu,  aproveitava as viagens de ônibus para ler algum livro, ou as edições da “Seleções Readers’ Digest”.

Se por um lado minha mãe não tinha cultura, e escrevia meu nome como “Ediço” (guardo com carinho um bilhetinho dela escrito assim), por outro lado, esbanjava sabedoria e bondade. Ela sempre tinha uma palavra amiga para mim e para quem precisasse. Era comum ver vizinhas, primos e primas buscarem nela um conselho, um consolo, um estímulo. A Dona Célia foi uma pessoa muito querida por todos.

Ela conversava com suas rosas, dálias, cravos, margaridas e folhagens em seu jardim e nos vasos pela casa, com avencas e samambaias. Meu pai era parceiro neste cuidado com as plantas. Ela ficava furiosa quando alguém enfiava a mão pela cerca e roubava uma de suas lindas rosas brancas, em geral para levar para um Centro Espírita. Ela dizia: “Por quê não pedem que eu daria de bom gosto?”

Já com todos os filhos casados, ela começou a fabricar bonecas. Meu pai comprou um equipamento com compressor para facilitar o enchimento das bonecas que criava, com bolinhas de isopor e eu oficializei a empresa “Bonecos da Vovó Ltda.” Minha mãe foi uma empreendedora nata, uma artesã criativa, que fez bordados, bolsas, chinelos, etc.

Ela me ensinou a fazer tricô e crochê, aproveitando o meu gosto pelos trabalhos artesanias que na época se ensinava no Ginásio, onde fiz bolsas de sisal, e também de rafia. Eu fazia “rabos de gato” num dispositivo de carretel com pregos. Estes rabos de gato ela usava para decorar almofadas. Ela fazia o acabamento com crochê nos meus aparadores com rodelas de cortiça que tirávamos de tampas de garrafas que pegava nos bares da região. Com o tempo eu esqueci como se faz tricô e crochê, mas ainda hoje me seria prazeroso, se tivesse tempo, fazer bordados de ponto sueco, mais conhecidos como “vagonite”, que a mãe gostava de me ver fazer. Uma prática que ensinei para meus filhos e alguns sobrinhos. Uma excelente terapia anti estresse e uma gostosa lembrança de mamãe.

Quando eu esfolava um joelho ela passava seu cuspe, fazia um carinho e milagrosamente a dor passava. Se meu braço adormecia, ela fazia uma cruz com cuspe e ele voltava ao normal. Santo remédio o cuspe da mãe…rs. Seu eu tinha qualquer problema, ela me acalmava, abraçava, dava seu conselho, seu carinho e me garantia que tudo ficaria bem, e ficava mesmo! Em todas estas ações ela falava em Deus. Ela me ensinou a confiar nEle, a falar com Ele, a pedir Sua proteção e ajuda.

Até meus oito anos, moramos em casas onde sofremos enchentes que destruíam nossas coisas e deixava a casa num estado lastimável de barro, sujeira e mal cheiro, foram várias reconstruções. Hoje eu entendo como minha mãe era espiritualizada e que os muitos “milagres” que a vi fazer em casa, “multiplicando os pães”, dando um jeito para que não nos faltasse nada, dando apoio para o papai em seus momentos de doença e dificuldades, garantindo que todos fossemos felizes, mesmo quando a maré era brava, eram fruto da sua grande bondade e muita Fé em Deus.

Saudades dos tempos de juntar toda a família para ver as séries como “Bonanza”, “O Homem de Virgínia”, “O Homem do Rifle” e as “Lutas Livres”, com gritos e risadas na sala. Pipoca, ou pé de moleque, café, etc… Saudades de suas histórias, saudades de tanta coisa. Minha mãe foi uma sábia, ela me deu mais do que a vida, me deu Amor e me ensinou a Amar.

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Sobre o autor: Edison Costa Porto, administrador pela Eaesp/FGV, MBA em Finanças pelo IBMEC-SP, bacharelando em Direito e Jornalismo. Técnico em Agronegócio pelo SENAR/Fraiburgo SC; Membro da Associação dos Amigos do Museu do Contestado de Caçador, da Associação Cultural Coração do Contestado de Lebon Régis, da ACIJO  Associação Caçadorense de Imprensa, do Núcleo de Comunicações da ACIC Caçador. Ocupa a cadeira nº10 da Academia Caçadorense de Música. Editor do Jornal Caboclo.

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