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Colunas e Opinião

“Homenagem a Paulo Freire, uma vida de lutas e dedicação à educação popular”. Por Saulo Carvalho

Saulo Carvalho

por Saulo Carvalho

No dia 19 de setembro de 1921 nascia em Recife Paulo Reglus Neves Freire. Paulo Freire ficou conhecido mundialmente por desenvolver um método que revolucionou a forma de alfabetizar adultos. A mídia costuma destacar os aspectos quantitativos de seu método, o que é fato. Em 1963, quando o testou pela primeira vez em Angicos (RN), alfabetizou 300 adultos em apenas 45 dias. Aos olhos da técnica, isso pareceu algo inédito. Alfabetizar muitas pessoas adultas ao mesmo tempo por um curto período, dispensando apostilas. Mas, Paulo Freire não era só isso, aliás, nunca se propôs a isso. Seu método possuía uma filosofia original, entranhada nos mais profundos ensinamentos humanistas, elaborados por filósofos cristãos, existencialistas e marxistas.

Não bastava conhecer a palavra, dizia ele, é preciso conhecer o mundo! Neste ato de conhecer o mundo, de tomar consciência das relações que antecedem a escrita e que determinam quem pode escrever, e o que pode ser escrito, que desenvolveu sua forma dialógica de ensinar. Educar não poderia ser um ato de depositar conhecimentos, mas de diálogo e de comunhão. Para ele a leitura não era somente codificar palavras, mas deveria ser uma ferramenta para modificar o pensamento das pessoas, tornando-as mais críticas e amorosas. Críticas com todas as situações de exploração, submissão e autoritarismo com as quais os mais humildes convivem.

No processo de alfabetizar freiriano, o ponto de chegada é a conscientização. É fazer o indivíduo reconhecer que sua situação de analfabeto não é um ato inelutável do destino, mas o resultado histórico de formas políticas de opressão, que são e precisam ser modificadas. Em seu livro “Pedagogia do Oprimido”, Paulo Freire retrata a sociedade opressora e a necessidade dos sujeitos se libertarem da opressão. Tanto da opressão externa, quanto da opressão interiorizada. Mas, essa luta contra o analfabetismo, contra a opressão e a ignorância é para Freire, uma responsabilidade dos oprimidos. Não deles sozinhos consigo mesmos, mas deles em conjunto numa ação política e cultural que afirme a presença dos sujeitos no mundo. E isso, certamente, desagradou os opressores.

Em 1964, mesmo sem nunca ter cometido qualquer crime contra a ordem constitucional, ou “pegado em armas”, Paulo Freire foi perseguido pelo regime militar e condenado ao exílio. Para o Poder, o professor das massas analfabetas era considerado um sujeito perigoso, porque ensinava as pessoas a pensarem por si próprias. Isso não o fez calar. No exílio Paulo Freire empregou sua filosofia e seus métodos para alfabetizar os camponeses do Chile e da Guiné-Bissau, deu aulas em Cambridge, Harvard e trabalhou em Genebra. O que antes era uma experiência local se espalhou pelo mundo, transformando Paulo Freire num dos pensadores brasileiros mais lidos no exterior. Suas experiências nos países periféricos se tornaram referência para o pensamento mundial.

Retornou ao Brasil em 1979 com a assinatura da anistia. Mas, continuou com seu trabalho educacional e seu engajamento político, ajudando a fundar o Partido dos Trabalhadores em 1980 e contribuindo com suas teses educacionais no Movimento Sem Terra. Em 1990 foi Secretário da Educação do Município de São Paulo, administrado por Luiza Erundina, período em que buscou criar uma “escola democrática e popular”, recuperando mais de 700 escolas precárias, desenvolvendo planos de carreira para professores e demais trabalhadores da educação, e instituindo espaços de cultura (as casas de cultura) nas periferias da cidade. Seu legado é reconhecido no mundo todo, mas no Brasil, principalmente nos últimos tempos, Paulo Freire tem sido tratado como um pária doutrinador.

Dono de 29 títulos de Doutor Honoris Causa oferecidos por Universidades da Europa e da América, e mais uma centena de homenagens, a obra de Paulo Freire tem sido desmerecida por “grupelhos” que nunca tiveram a “curiosidade epistemológica” de lê-lo, mas buscam desautorizá-la por meio de acusações sem fundamento e argumentos “esdrúxulos”. Não que Paulo Freire, não deve ser criticado. Há muitas críticas a sua obra. Mas, um pensador desta grandeza precisa ser lido, interpretado e criticado com toda a rigorosidade e compromisso com os quais ele mesmo desenvolveu seu pensamento. Todavia, seu pensamento pressupõe o diálogo e a amorosidade de um “[…] profundo amor ao mundo e aos homens” e é disso que sua filosofia se alimenta, não do ódio dos opressores, mas da compreensão dos oprimidos. Por isso deixo aqui minha singela homenagem. Parabéns Paulo Freire!

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Sobre o autor: Saulo Carvalho é professor do curso de Pedagogia na UNICENTRO, campus Guarapuava-PR e Doutor em Educação Escolar pela UNESP-Araraquara; escreve semanalmente no Jornal Caboclo.

P. S. : Os conceitos emitidos por artigos ou por textos assinados e publicados neste jornal são de inteira responsabilidade de seus respectivos autores.

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