Ryu’n Go, um Lobo ? Um Akita desaparecido ? E a mulher que não desistia! Escreve Nelson Crepaldi

Essa história real já tinha sido escrita pela Heth enquanto viva, porém eu quis dar a vocês a minha visão dos fatos.

Por Nelson Crepaldi

I – A saída para o resgate (sexta-feira)

-Saí mais cedo do trabalho. No caminho  apanhei  o Sr. Katsuo Sassaki, e passei em casa , a Heth estava animada ! Faltava a  nossa guia, Luiza,  sem ela nenhum de nós tinha  ideia para onde ir.

Nossa Ford F1000 81 utilizada   para ir a exposições, era o veiculo ideal para o  plano.  A cabine só comportava 3 pessoas e chegando  à casa da Luiza, logo Sassaki San se ajeitou na caçamba. Seguindo as orientações de Luiza rumamos para Itapevi a 30 km  Estávamos dispostos a resgatar o Akita  ainda que não fosse o RYU’N GO.

II – Um ano antes (julho de 1989)

O telefone tocou e veio a notícia. Surpresos porque Sr. Katsuo Sassaki era um antigo criador de São Paulo, único dos antigos que gostava de exposições e assim nos conhecemos.

Ele tinha uma tradicional loja de molduras em São Paulo e  morava na residência anexa à loja. Era comum ver seus cães andando entre vidros, molduras e presentes, com a delicadeza felina dos Akitas.  Entre eles Ryu’n Go reinava. Quando aconteceu ele já tinha quase 8 anos, já brilhara em exposições, cobrira diversas fêmeas e estava gozando a aposentadoria. Chegou ao Brasil com 6 meses vindo do Japão, macho tigrado cinza um belo exemplar para aquela época.

A noticia não era boa, Ryu’n Go havia escapado e  talvez um segundo de distração na loja, um portão mal fechado; o fato é que ele desaparecera.

Buscas foram feitas. Nada. Amigos foram avisados . O tempo passou, um mês, seis meses, um ano. Sem esperança, Sr. Sassaki não esquecia e se culpava pelo acontecido.

 Heth, solidária, de tempos em tempos ligava por notícias.

 Ela era uma mulher que não desistia. Sob o signo de Escorpião, amava a investigação; era professora, mas poderia ter sido uma boa detetive.

III – Após um ano (junho de 1990)

O nosso canil “Orient Express“ já era conhecido. O Akita mais velho, já com nove anos, era o Day Ryu O de Shirakaba , “ Help”. Um macho tigrado cinza com nove anos. Seu tipo, anos 70, estrutura desenvolvida e um temperamento muito forte já não era considerado mais o ideal da raça.Ainda assim era o nosso preferido.

Help brilhara nas exposições na sua juventude ainda era o Alfa e recebia todos os mimos. Eu tinha prazer e orgulho de caminhar com ele, inspirava segurança  em casa  e  fora causava admiração.

Sábado, saímos, estranhei quando um homem, olhou para o Help, e falou: um “Lobo, Lobo, nossa  que bonito! Pude sentir a vibração na guia, era o rosnado  do Help. João, tinha um comércio ali e perguntou onde eu havia conseguido aquele Lobo! Eu expliquei que era um cão da raça Akita. Então ele hesitou; e contou a história do Lobo.  Ele morava vizinho da  – União Internacional Protetora de Animais…João costumava visitar o local, ajudar em alguma tarefa e lá fez amizade. Até que um dia disseram para ele, venha ver um cão lobo que apareceu, nunca vi nada igual! Ele se apaixonou  e no mesmo dia foi para casa com o Lobo. Cheguei em casa e contei tudo para a Heth que ouviu interessada.

Então eu disse e se for o RYU’N GO? Ela parou um pouco e disse, será?

IV – Investigação Frustrada (segunda-feira)

Segunda fui trabalhar cedo.  A Heth já se  aproveitava de sua aposentadoria. Quando voltei a noite, na hora do resumo do dia, ela disse:

– Eu fui conversar com o João!

Eu, – que João ? ? Ela, – o do  Lobo ,  Eu,  então ?

-O Lobo não está mais com ele faz muito tempo disse chateada. Os vizinhos tinham medo e reclamavam de seus uivos. Ele deu para um amigo.

-Uma pena, eu achei que ele gostava muito dele. E emendei: para quem?

-Ainda não sei, mas vou descobrir !  Eu não duvidava de nada, e mudamos de assunto. No dia seguinte a Heth me liga. Ela  ainda não tinha seu celular.

-Olha Nelson, hoje eu vou sair e não sei a que horas voltarei.

Consegui com o João apenas o nome da rua e, que é uma oficina, vou procurar o Akita.

A noite eu a encontrei chateada. Ela encontrou o local, era uma funilaria, mas o Lobo já não estava mais lá. Motivo, os uivos e o medo dos clientes.

Quem ficou com ele foi outro amigo que morava em outro bairro e queria um cão de guarda.

V – Nova Pista (terça e quarta-feira)

Mal cheguei ao escritório e a Heth ligou: – Consegui com um mecânico da oficina  um endereço. Pode ser que o Lobo ainda esteja lá. Vou dar uma olhada e desligou. À noite, quando voltei a Heth chateada de novo; fui ao endereço e está fechado com uma placa “aluga”. Então eu disse: acho que não é para você encontrar esse Lobo. Ela quieta não gostou.

Quarta feira eu fui trabalhar e ela não ligou naquele dia; eu estranhei não era seu hábito. Cheguei em casa e lá estava ela toda animada falando ao telefone com Sr. Sassaki. Peguei o final da conversa.  Ela contava a história para o Sassaki dizendo que a chance de ser Ryu’ um  Go era grande. Desligou e falou comigo. Fui lá ao imóvel fechado, esperei até que vi um carteiro, perguntei se conhecia o antigo morador daquele endereço. Ele respondeu que era uma Funilaria e confirmou que  havia um cachorro tipo lobo lá! Então fiquei lá e vi um portão ao lado.Toquei a campainha, uma moça atendeu e mostrei a foto do Help para ela. Ela confirmou que a funilaria tinha fechado, mas que havia um cão igualzinho lá. Perguntei para onde tinham mudado, ela não sabia, mas sua filha Luiza conhecia o dono e talvez pudesse informar. Luiza não estava em casa no momento. Trabalhava e só chegaria à tarde. Vou voltar lá amanhã à tarde. Quero ver esse Akita de qualquer jeito, pondo fim na nossa conversa.

VI – Final (sexta-feira)

Já passava das 18 horas. Estávamos no pedágio e ouvindo a conversa entre a Heth e a Luíza eu fiquei sabendo de detalhes. Elas haviam se encontrado na véspera; Luiza confirmou a semelhança entre a foto e o “Lobo”. Disse ainda que quando a oficina fechou, ela ajudou para que a doação fosse para  uma senhora, sua conhecida. E ela sabia onde ela morava e emocionada com o caso queria muito saber o que iria acontecer nas próximas horas.

Entramos em Itapevi e Luiza orientava, passamos o Centro e rumamos para um bairro afastado.

A estrada de repente virou de terra, estreita, com curvas e com uma subida digna da nossa F1000.

No alto só dava para ver as luzes da cidade acendendo, quando chegamos ao topo havia ali algumas casas muito simples e sem muro. Os faróis da F1000 estavam ligados; quando manobrava para estacionar Luiza falou: olha é aquela casa. Os olhos de todos nós procuravam um sinal do “Lobo”, então a luz do farol incidiu sobre uma casinha de madeira ao lado.

Então um cão amarrado por uma corrente saiu e levantou com dificuldade, mas ainda disposto a defender seu território. Logo descemos, Luiza conversou com a senhora e, nesse meio tempo, Sassaki saltando da caçamba se aproximou e o “Lobo” soltou um grito de alegria que só os Akitas sabem dar. Corremos sem medo, com Sassaki  confiante. Era o Ryu’n ‘Go ! Magro com a pelagem ainda cheirando graxa e óleo. Chegaram outras pessoas e algumas crianças. Então soltaram Ryu’n Go que saiu procurando o Sassaki que ajoelhado chorava muito e todos nós também.

Um choro de alegria e felicidade. A indisfarçável satisfação da Heth; eu sabia, eu sabia….

As pessoas se despediram do Ryu’n Go, felizes com o desfecho da história. Seguimos para São Paulo e deixamos ambos na casa onde  RYU’n Go viveu seus últimos anos, com o Sassaki-sam.

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Sobre o Autor: Nelson Crepaldi, cinofilo, foi criador e expositor de cães Akita, junto com sua esposa Heth de Oliveira Crepaldi, entre 1978 e 2014. A Sra. Heth faleceu em 2001. Desde 2019, Nelson está na COORDENAÇÃO do Conselho Brasileiro da Raça Akita que é um órgão da CBKC – Confederação Brasileira de Keneis Clubes.

Nota do Editor: Nelson e Heth Crepaldi fazem parte de um grupo de amantes da Raça AKita que, com muitas discussões para estabelecer o Padrão japonês (e não o norte-americano) para a raça no Brasil, fundou o Clube Paulista do Akita, no início da década de 80. Este Editor fez parte deste grupo e publica este artigo do Nelson, como uma homenagem à sua esposa Heth, uma amiga querida, que como vemos nesta história, não media esforços para ajudar alguém e se dedicou com alma aos Akitas. As fotos apresentadas têm mais de 30 anos.