Jornal Caboclo

da região do Contestado, SC

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“Redução da Jornada de trabalho: o imperativo inalterado do tempo*”. Por Saulo Rodrigues de Carvalho

* Reflexões sobre o livro: “Para Além do Capital” de István Meszaros.

por Saulo Rodrigues de Carvalho

Um dos grandes feitos da tecnologia foi a redução do tempo de produção das coisas. A fábrica da Toyota japonesa, por exemplo, consegue fabricar hoje um automóvel a cada 4,8 minutos, um tempo impensável para a produção de um automóvel de luxo há 20 anos. A indústria automobilística é o setor em que essas mudanças são mais visíveis, mas em geral todos os setores da produção capitalista passaram por um processo drástico de redução do tempo necessário de produção de mercadorias. Isso significa que com a possibilidade de fazer em menos tempo o mesmo trabalho, um trabalhador possa num menor período produzir a mesma riqueza. Sem análises mais profundas, está aí a possibilidade histórica de redução da jornada de trabalho e aumento da empregabilidade. Isso tudo dentro de uma lógica capitalista, levando em consideração a distribuição um pouco mais equitativa da mais-valia.

No entanto, o pensamento capitalista atua de outra forma. O capitalista não está preocupado em aumentar ou reduzir empregos, sua preocupação é unicamente, descobrir a forma que lhe possibilita extrair mais valor da sua atividade com o mínimo de custos. O leque de possibilidades que o desenvolvimento científico-tecnológico abriu, revelou também que a forma mais interessante de aumentar o poder de extração de mais valor do trabalho explorado é por meio da redução do número de empregados e intensificação do trabalho, ou seja, menos pessoas realizando o mesmo trabalho que uma quantidade maior de pessoas faria. Com menos tempo para realizar uma produção, sobrou mais tempo para que um mesmo homem realize outras atividades dentro dessa produção.

O tempo para fazer determinada atividade tornou-se menor, mas o tempo total da jornada de trabalho continuou o mesmo.  As oito horas diárias de trabalho continuaram inalteráveis . Se antes, oito horas de trabalho produziam 200 com 100 trabalhadores, com a redução do tempo necessário de produção, as mesmas oito horas produzem 200 com 50 trabalhadores. A vantagem para o capitalista não é tanto o aumento da quantidade de mercadorias produzidas, mas a redução dos gastos para a produção desta quantidade. Dentro desse exemplo simplório estão colocadas relações muito mais complexas, que compõe a “aura” da inalterabilidade do tempo. Não é só na redução da quantidade de trabalhadores contratados que leva vantagem o empregador. Mas, é também na inflexão do valor pago ao trabalho realizado, valendo-se assim da “lei de mercado”, da qual, verdade seja dita, é válida em alguns casos apenas. A lei de mercado, no seu estatuto liberal nos diz que, quanto mais uma mesma mercadoria encontra-se disponível, menor será o seu valor. Quanto menor a procura, menor o preço. Com menos pessoas trabalhando, mais pessoas estarão desempregadas, isso parece óbvio.

Mais óbvio ainda é que, quanto mais desempregados, maior é a disponibilidade da mercadoria força de trabalho e menor poderá ser o valor pago por ela. O desemprego neste caso não é uma deficiência do sistema capitalista, não é uma exceção, senão uma regra. O aumento do desemprego assinala a possibilidade de reduzir o valor pago pelo empregador pela realização de determinado trabalho. A redução do tempo socialmente necessário de produção das mercadorias abriu essa possibilidade para o capital se autovalorizar, mas abriu o precedente da Redução da Jornada de Trabalho.  Ao mesmo tempo em que, o desemprego auxilia a autovalorização do capital, ele cria uma série de problemas e conflitos sociais que põe em risco a reprodução capitalista. A tendência que segue a redução cada vez maior do tempo socialmente necessário de produção e intensificação do trabalho não podem se estender infinitamente. O aumento estratosférico do desemprego gera entraves na economia capitalista e desarranjos sociais que comprometem o seu ser.  O ser do capital é a extração do trabalho excedente.

A redução da jornada de trabalho dentro desta perspectiva pode ser uma saída viável ao capital, a partir do momento em que o sistema não comportar mais o movimento de aumento do desemprego. Por outro lado a Redução da Jornada abre a possibilidade de profanar o tempo. O tempo de trabalho de uma pessoa é um dado tão natural quanto o amanhecer do sol. Quando nascemos já estava determinado que deveríamos trabalhar 44 horas semanais, 8 horas diárias, isto é inquestionável. É inquestionável se precisamos trabalhar aos sábados e feriados, o imperativo do tempo nos aparece inalterável. É assim porque tem que ser assim. Mas, a Redução da Jornada de Trabalho nos permitirá dizer: é assim, mas deve ser diferente.

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Sobre o autor: Saulo Carvalho é professor do curso de Pedagogia na UNICENTRO, campus Guarapuava-PR e Doutor em Educação Escolar pela UNESP-Araraquara; escreve semanalmente no Jornal Caboclo.

P. S. : Os conceitos emitidos por artigos ou por textos assinados e publicados neste jornal são de inteira responsabilidade de seus respectivos autores.

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