Jornal Caboclo

da região do Contestado, SC

Colunas e Opinião

Uma viagem ao Japão em 1979, Yusu – Parte II, escreve Edison Porto

A chegada e hospedagem num “Yusu” em Tóquio

Por Edison Porto

(continuação da Parte I)

Quando chegamos ao Aeroporto Internacional de Narita, uma querida amiga nos aguardava, era a minha professora de japonês, na Aliança Cultural Brasil Japão, Harumi Otuki.  Ela é de São José dos Campos, SP,  mas tinha ido estudar na Universidade de Tsukuba ou Tsukuba Daigaku. Quando ela foi para o Japão, nós já planejávamos a viagem, então mantivemos contato e avisei quando chegaríamos. Foi muito bom ter um rosto conhecido nos esperando e ter alguém para nos conduzir até Tóquio. Foi nossa primeira viagem de trem no Japão.

Harumi Otuki (eu com a filmadora)

Na viagem ao Japão, passamos três dias em Honolulu, onde fizemos amizade com um inglês, Mark Coueslant, que fazia viagem contrária à nossa. Saímos da Califórnia rumo a Tóquio, ele partiu de Tóquio rumo à Califórnia, nos encontramos no meio do caminho, em Honolulu, Havaí. O Mark sugeriu que na capital japonesa nos hospedássemos no Youth Hostel (Yusu) de nome Okubo House, próximo da estação de Shin Okubo do trem circular Yamanote. Seguindo esta dica pedimos para a Harumi nos levar até lá, onde nos ajudou com os entendimentos iniciais para a nossa hospedagem. Combinamos que ela viria nos encontrar mais tarde para o almoço.

No Yusu (Albergue da Juventude) Okubo House,  ficamos bem hospedados, gostei tanto que no ano seguinte, em minha segunda viagem, eu me hospedei novamente lá. Acima do prédio, são colocadas bandeiras dos países de origem dos hóspedes, por isso logo apareceu uma bandeira do Brasil entre as outras que vimos ao chegar; isso nos agradou muito.

Da mesma forma que nas casas japonesas, o piso interno do Okubo House, era acima do nível da rua. Logo na entrada, a gente senta no degrau, tira os sapatos, e recebe um par de chinelos para andar nos ambientes internos. A  sujeira da rua não deve entrar em casa! Preenchemos a ficha de registro e cada um de nós recebeu um “Yukata”, um kimono mais simples, para usar dentro da hospedaria e para dormir. Os hóspedes ficam assim “uniformizados”, todos usando o mesmo tipo de “Yukata” (mesmas cores e desenhos).

Okubo House

Assim como acontecia nas casas que visitamos, ao ir ao banheiro a gente troca de chinelos que ficam à espera na porta, o problema é que algumas vezes eu me esquecia de destrocar os chinelos, o que chocava quem me via sapateando fora do banheiro com o “calçado do banheiro”.  Gritavam “obenjyou, obenjyou…” (banheiro, banheiro…) até eu me tocar e pedir desculpas. Na verdade, acabávamos todos rindo da minha grosseria inculta de ocidental…

Nesses albergues a hospedagem era em estreitos quartos retangulares, onde mal cabiam quatro beliches, portanto oito pessoas por quarto. Mas tivemos a sorte de ganhar um quarto só para nós, sem beliches, para dormir no tatami mesmo, era pequeno, mas dava para acomodar nossas malas também, talvez uma deferência especial por sermos um casal. Quem ficava nos beliches, deixava as malas no corredor ao lado da porta do quarto.  Nestes albergues não se pode ficar durante o dia, apenas à noite. A gente podia deixar as malas lá, mas tínhamos que passar o dia fora, voltando no final da tarde só para dormir. Em cada mala era colocado um papel com o nome do dono, e mesmo sem cadeados, era super seguro deixá-las lá, ninguém mexia nelas.

Logo descobrimos que no banheiro não era possível nos sentarmos para a costumeira leitura durante o uso do vaso sanitário, pois não havia esta  peça, mas sim aquela louça no chão, com marcas para se agachar ali e soltar os dejetos num buraco, tipo as antigas privadas do interior, também conhecidas como “patente”. Eu ficava indignado: “Como pode? Um país de alto índice de leitura, será que não gostam de ler nos banheiros? “ – porque convenhamos, fazer as necessidades agachado já não era fácil, não tinha este costume, ler então? Era impossível… hahahaaha. Atualmente existe uma corrente que já diz ser esta a posição adequada para se evacuar com facilidade. Será?

Okubo House

Depois percebemos que nas casas onde nos hospedamos também não havia vaso sanitário, o que só encontramos na casa de um empresário que nos hospedou em Saitama-Ken e, na cada da prima da Takako em Toyota-shi. No trem bala, o famosos Shinkansen, havia dois tipos de banheiros, com aviso na porta “Japanese Style” (patente) ou “Gentleman” (com vaso sanitário).

Não havia chuveiros para nos banharmos, mas sim um “Ofurô” coletivo masculino e outro feminino. Para quem não conhece, “ofurô” é uma banheira mais alta com água bem quente. Dentro dela a gente não se lava, e só se entra nela depois de nos lavarmos num chuveiro (se houver),  ou usando canecas  para retirar água de uma torneira, ou de dentro do próprio “ofurô”.  Se entra nele para ficarmos em imersão, dilatando os poros com a água super quente, relaxando por algum tempo. No caso de “ofurô” coletivo, é um tanque de água (parecendo uma pequena piscina) onde entram mais de uma pessoa ao mesmo tempo. No caso do Okubo House, poderiam entrar até três pessoas ao mesmo tempo, tanto no masculino, como no feminino. A pessoa que entra para o banho, deixa seu yukata numa cesta na entrada, obviamente entra nua. Então era só observar se tinha yukata nas três cestas para saber que não dava para entrar, até que alguém saísse. Interessante que se alguém quisesse ver uma pessoa nua, fosse homem ou mulher, era só ficar a espreita da entrada do ofurô, coisa que não vi ninguém fazer.

Ruas de Tóquio

Durante os dias que nós ficamos no Okubo House, chegou um casal de franceses que quando tiravam os sapatos na entrada, empesteavam o ambiente com seu chulé. Era muito desagradável sentir aquele odor de queijo estragado invadindo nossas narinas. Ali comecei a acreditar que há mesmo franceses que  não são muito adeptos ao banho, claro, não creio ser regra daquele povo, mas que testemunhamos este fato, isto é verdade!

Outra coisa curiosa é que havia um horário, se não me engano era às 22h que apagavam as luzes e um velhinho passava nos corredores anunciando em voz alta: “Everybody go to suripa”, era uma graça esta pronúncia do “sleep”, já que a frase em inglês era para “Todos irem dormir”.

Não sei hoje em dia, mas em 1979 o bairro badalado era Shinjuku, cheio de jovens. O bairro da vida noturna, cheio de avisos luminosos, era Ginza. E o bairro para se comprar produtos eletrônicos era Akihabara,  como a Rua Santa Efigênia e trechos da suas artérias na Capital de São Paulo, só que lá eram muitos prédios com todos os andares funcionando como lojas de produtos eletrônicos. Saímos do Brasil com estas informações.

Voltando àquele dia, a Harumi veio nos buscar e nos levou a um restaurante de pratos de vários países, lembro que tinha comida mexicana. Não sei mais onde era, mas era um local superlotado, um tanto confuso e barulhento. Ela nos levou lá exatamente para vermos este movimento e porque era relativamente barato.

Fiquei curioso quando minha professora de japonês gritou em PORTUGUÊS para o garçom que veio nos atender: “Somos três viu?” Ela repetia isso de um jeito bem brasileiro e fazia o gesto com a mão indicando três.  Estranhando, eu perguntei:  “Por quê você falou em português com ele?” Ela então explicou que como tinha muitas pessoas, naquela bagunça toda, para serem atendidas ( o que eu hoje diria uma “verdadeira muvuca”), falando alto em português seriamos atendidos mais rápido. Comigo junto ele logo notaria que apesar da cara de japonesa dela e da Takako, ele estava diante de estrangeiros, nos daria preferência  e melhor atenção.

De Táxi em Tóquio

Ao caminharmos com a Harumi, se não me engano no Bairro de Harajuku, eu notei uma entrada pequena para uma loja, com uma decoração estranha com uma máscara cujo nariz e queixo lembrava a genitália masculina. Vi escrito em Katakana (usado para palavras estrangeiras) “poruno shopu”.  Fiquei com vergonha de mostrar ou falar daquele lugar com a Harumi e Takako,  mas marcou bem em minha mente, tanto que no ano seguinte (1980), quando voltei ao Japão, fui lá para conhecer (história que contarei no futuro). É preciso lembrar que naquela época não havia “porno shop” no Brasil e mesmo nas revistas masculinas, as partes íntimas das mulheres eram censurados com faixas pretas. Daí a curiosidade exacerbada no tema!

Andando pelo Japão, notei que nas livrarias, as pessoas param para folhear revistas e livros, alguns por bastante tempo. Eu pensava “se um cara desses ficar lendo a revista numa banca no Brasil, o dono vai perguntar um tanto agressivo: – vai  ler aqui, ou vai comprar?” O conceito de censura lá ficou um tanto estranho para mim, porque eu via as revistas estrangeiras Penthouse e Playboy sem censura nenhuma quanto à nudez e, ao lado, as revistas japonesas com censura, aliás comprei um exemplar “Pureiboi” japonesa que guardei por mais de 30 anos, numa limpeza alguém jogou fora.  Suponho que as coisas tenham mudado por lá, como mudaram no Brasil, onde a nudez ficou escancarada nas revistas masculinas, com revistas também do interesse feminino…rs.

Bairro de Shinjuku em Tóquio – “Camera no Sakuraya” loja onde comprei filmadora super 8 e câmeras.

Depois do primeiro dia com a Harumi, vimos que era fácil andar por Tóquio, usando o trem circular Yamanote, falando o nosso básico de japonês. Naqueles dias eu nem tentava falar em inglês, primeiro porque eu me virava melhor em japonês, segundo porque não encontrávamos quem entendesse inglês.

Quando telefonei para o Brasil, disse brincando para o meu pai: “Nunca vi tantos japoneses!” Eu estava adorando, tudo era novidade, o tempo todo ouvindo a língua que eu tinha uma base, mas ainda estava aprendendo. Raramente via um ocidental em Tóquio, e nas cidades menores não havia nenhum, eu me sentia sendo observado como se fosse um ET. Ideogramas por todos os lados, um sonho sendo realizado!

Foto de Capa: Okubo House com bandeiras de países dos hóspedes,

Nota:  Continua na Parte III

http://jornalcaboclo.com.br/index.php/2021/08/10/uma-viagem-ao-japao-em-1979-nagasaki-e-a-bomba-escreve-edison-porto-parte-iii/

A Parte I desta história pode ser conhecida em: 

http://jornalcaboclo.com.br/index.php/2021/03/21/uma-viagem-ao-japao-em-1979-escreve-edison-porto-parte-i/

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Sobre o autor: Edison Porto, administrador pela Eaesp/FGV; MBA em Finanças pelo IBMEC-SP, bacharelando em Direito e Jornalismo; Técnico em Agronegócio pelo SENAR SC; Membro da Associação dos Amigos do Museu do Contestado de Caçador, da Associação Cultural Coração do Contestado de Lebon Régis, da ACIJO  Associação Caçadorense de Imprensa e do Núcleo de Comunicações da ACIC Associação Empresarial de Caçador. Membro dos Conselhos Municipais de Turismo e de Cultura de Caçador. Participa da ONG Gato-do-Mato. Ocupa a cadeira nº10 da Academia Caçadorense de Música. Editor do Jornal Caboclo.

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