Jornal Caboclo

da região do Contestado, SC

Colunas e Opinião

Uma viagem ao Japão em 1979 – A chegada – Parte I, escreve Edison Porto

Curiosidades e sensações indo ao outro lado do planeta

Por Edison Porto

Os mais jovens talvez não consigam imaginar como o mundo era no final da década de 70, do século passado.  Muito antes desta história de doenças que se espalharam pelo mundo, como AIDS, H1N1, SARS e COVID19, os receios numa viagem internacional estavam mais ligados aos riscos de sequestros de aviões, ataques terroristas a locais turísticos e coisas assim, era um mundo diferente do atual.

Avião da JAL

Naquela época era muito difícil, para um brasileiro comum, viajar para o Extremo Oriente, era muito caro e quem fazia este tipo de viagem eram políticos e empresários em missões comerciais, ou descendentes de japoneses que obtinham bolsas de estudo oferecidas pelos governos de províncias japonesas ou outras entidades daquele país.

Eu tinha um sonho de conhecer a chamada Terra do Sol Nascente (praticamente tradução da palavra Nippon ou Nihon, que dá nome ao Japão na língua do país).  Bastante envolvido com a cultura japonesa, judoca, casado com uma nissei, a Takako, ambos estudando japonês na Associação Cultural Brasil Japão, eu tinha que ir para lá um dia.

Bem este dia chegou. No terceiro ano de casado, a Takako engravidara e juntos decidimos, ou vamos agora, ou depois ficará ainda mais difícil com mais uma boca para sustentar. Assim começamos a coletar informações para planejar a viagem e buscamos descobrir mais sobre os parentes que ela ainda tinha por lá.

Com ex-bolsitas de Kenjinkais começamos a pesquisa.  A palavra Kenjinkai se compõe de Ken = Província; Jin = pessoa e Kai = Associação, ou seja, por exemplo, SAGA KENJINKAI = Associação dos imigrantes da província de SAGA. Com eles fomos descobrindo como andar pelo Japão, e ter coragem de viajar sem saber ler os cerca de 1.900 ideogramas usados na escrita japonesa. Sabíamos apenas uns 500 ideogramas e os dois alfabetos de fonemas, Hiragana e Katakana, de cerca de 50 letras cada um, um conhecimento básico que nos ajudou bastante por lá. Na época eu não tinha o inglês fluente que tenho hoje, mas também não adiantaria muito, porque nas cidades menores por onde passeamos, ninguém falava inglês, assim como não havia placas indicativas nesta língua.

Uma Estação de Trem

Uma dica legal foi obter os mapas de metro e, principalmente de um trem circular da cidade de Tóquio (o Yamanote line), com os nomes das estações em letras romanas (nosso alfabeto).  Assim, quando chegávamos a uma estação, era possível comparar nosso mapa com os que existiam nas Estações, para saber qual o valor da passagem que tínhamos que comprar, para irmos de onde estávamos para onde queríamos chegar.  Realmente, com esta prática ficou muito fácil andar por lá, sem ter que pedir ajuda a ninguém. Nas estações tem um mapa enorme das linhas férreas, com os nomes das estações em ideogramas, marcando numa das estações em vermelho, “você está aqui”. Daí era só comparar com o nosso mapa em letras romanas, para sabermos para que lado ir, sendo que ao lado dos nomes das estações, na parede, há a indicação do valor em ienes da passagem para fazer o percurso até ela, desde a estação onde se está.

Outra dica legal que nos deram, foi que era bem barato se hospedar em “Yusus”, como os japoneses chamam os Albergues da Juventude (Youth Hostel).

Eu já estava familiarizado com a cultura japonesa, assim eu sabia que na hora das refeições quanto mais barulho fizermos, mais mostraremos que estamos saboreando e gostando da comida. Não é grosseria arrotar à mesa, nem falar com a boca cheia…credo….hahahaha.

Takako na entrada do “Yusu” Okubo House, próximo a Estação Shin-Okubo

Outra coisa muito importante naquela época, talvez ainda hoje, não sei, é que a mulher é subalterna ao homem.  Lá se dizia que a esposa tem que andar três passos atrás do marido que era para não correr o risco de pisar na sombra dele.  Era muito estranho para mim, quando eu me via numa situação caminhando com o tio e marido da prima da Takako, lado a lado e, ela e a prima lá atrás. Mais esquisito ainda o fato de que eram elas que carregavam as sacolas de compras, enquanto nós caminhávamos de mãos abanando!

Eu ficava pasmo quando via um casal de namorados num ponto de ônibus, e quando a condução chegava, o rapaz subia na frente e a namorada depois. Se houvesse apenas um lugar, o namorado sentava e a garota ficava em pé. Cenas que se repetiam nos trens e metrôs, algo bastante esquisito para mim.

Eu sofri no Brasil o preconceito de japoneses que não aceitavam que eu, cara de ocidental, estivesse namorando uma garota com cara de japonesa. “Gaijin não pode namorar nihondim” (ocidental não pode namorar japonesa).

Almoço em Família (Maeda/Hasegawa)

Na verdade a palavra Gaijin significa estrangeiro, e se compõe de Gai = de fora e Jin= pessoa.  Mas aqui no Brasil, os japoneses é que são gaijins para nós, no entanto, como vieram com o sonho de se enriquecer e voltar ao Japão e este sonho ficou frustrado, para sobreviverem se ajuntaram em grupos de ajuda mútua (colônias) e passaram a chamar quem não era do grupo, ou seja, os brasileiros ocidentais, de gaijins.

Por causa deste preconceito eu imaginava que encontraria uma barreira forte para me relacionar com os japoneses lá no país deles, o que surpreendentemente para mim, não aconteceu. Fui muito bem recebido, principalmente pelas mulheres que ficavam encantadas com a maneira que nós as tratamos. Sobre fui alertado que poderia dar interpretações equivocadas. Por exemplo, quando cedi um lugar para uma garota num ônibus, foi um murmúrio total, enquanto eu ouvia comentários, do tipo “hummm gaikokujin sama wa yassashii desu ne” (huum o senhor pessoa de país de fora é muito delicado/educado), a garota toda envergonhada, provavelmente achava que eu estava já apaixonado por ela!

A esposa de um empresário que nos hospedou, nos disse:  -“As moças daqui se perdem facilmente com ocidentais, porque pensam que eles estão apaixonados por elas e se entregam a eles com facilidade.” Pelo mesmo motivo, soube que os rapazes japoneses não gostavam nem um pouco de ver um ocidental  por lá, porque nós roubaríamos suas garotas!

Takako no trem Yamanote – circular em Tókio

O bom tratamento que recebi do povo japonês começou já no avião da JAL – Japan Air Line. As aeromoças foram muito gentis e bastante atenciosas com a Takako que sabiam estar grávida de quatro para cinco meses (na compra da passagem isto foi declarado). Eu não gostei da comida requentada servida nos voo até os EUA em outra companhia aérea, mas adorei a comida da JAL, incluindo sashimi e sushi. Muito bacana os kits com escova de dente e creme dental disponíveis nos toaletes do avião. Até hoje a melhor empresa aérea que utilizei tanto em voos nacionais, como nas viagens pelos 21 países que visitei.

Chegamos ao Japão no dia primeiro de abril de 1979, quando comecei a ver entre as nuvens os campos de plantações na aproximação ao aeroporto de Narita, eu pensava, será verdade?  Parece mentira que estou para pisar em solo japonês!  Foi muita emoção.

É comum se elogiar o povo japonês, com relação à sua educação, higiene, respeito aos outros, etc., mas o que vi na hora de pegar as malas nas esteiras onde são descarregadas do avião foi muito ao contrário, um desespero danado. A japonesada parece que tinha medo de perder a mala e só faltavam se atirar na esteira gritando “Minha mala, minha mala!”

Narita – a primeira imagem que vi chegando ao JAPÃO

Outra surpresa para mim foi o comportamento dos japoneses no trânsito, ao contrário da educação que vi no trânsito dos EUA, onde andei bastante em Los Angeles, e dirigi de lá até São Francisco (615km). Não ouvi buzinas nos EUA, e quando eu dava o pisca-pisca para mudar de faixa, mesmo tendo espaço para entrar, o veículo que ficaria atrás do meu carro, diminuía significativamente a velocidade para eu entrar na sua frente. No Japão, os motoristas buzinam e quando alguém dá o sinal que vai mudar de faixa, o veículo mais atrás acelera para não dar passagem. Um comportamento que não condiz com a forma educada em outros momentos, e que talvez se explique porque os japoneses estão sempre com pressa. Eles andam com uns cartões com horários de ônibus, metrôs e trens, em circuitos que às vezes se completam com veículo próprio que deixam nalguma estação. Com estes cartões eles planejam seu transporte; penso que se perdem uma chegada, atrapalha todo o percurso, daí a pressa constante.

Falando em pressa, eu rapidamente aprendi lá que para pedir informação para alguém na rua, ou dentro de uma estação, eu tinha antes que observar se a pessoa não estava na correria. Por exemplo, era melhor pedir informação para quem estivesse calmamente folheando algo numa Banca de Jornal, ou olhando frutas numa banca.

Eu com as primas Mitiko e Yoko

Outra coisa que logo percebi é que não adiantava deixar para a Takako pedir informações, embora ela tivesse melhor conhecimento da língua japonesa do que eu, a pessoa ficava dando explicações, e ela respondendo “Hai, hai, hai” (Sim, sim, sim) e quando se despedia agradecendo, e eu lhe pedia – “Como fazemos?”, a Takako respondia: – “Não sei, não entendi  nada!” Caramba, eu ficava doido, mas é que achando que a Takako fosse japonesa, faziam referências a coisas e lugares que ela não conhecia, por isso era difícil para ela entender.

Mas é que as pessoas viam nela uma japonesa, falavam rápido e de um jeito que ela não conseguia entender tudo. Aliás, muita coisa eles deviam imaginar que ela leria as placas e instruções pelo caminho. Então mudamos a estratégia, passei eu a pedir informações no meu japonês básico, dizendo de cara que tanto eu como ELA também, éramos brasileiros. Daí eu pedia que explicassem para ela, por favor, devagar, porque ela entende um pouco mais do que eu….rs.

Há avenidas, mas em geral as ruas são estreitas, e praticamente não há calçadas para pedestres. As portas das lojas eram todas automáticas e quando a gente caminhava próximo elas se abriam, e ouvíamos os atendentes gritarem – “Irasshaimase” (sejam bem-vindos). Se você entra num comércio japonês, todos que lá trabalham e te vêm, dirão “Irasshaimase”. Assim como, quando você está se retirando do ambiente, gritarão – “arigatou gozaimashita” (muito obrigado).

Eu com a prima Yoko e seu Pai Maeda-sam em sua casa na cidade de Tsu, capial de Mie-ken

Outra dica boa que os bolsistas nos deram é que ao fazer uma compra no Japão, você pode não só pechinchar, como também pedir um brinde. Fechada a compra eu dizia “sabisu wa?”, que era como dizer “cadê meu brinde?” A palavra “sabisu” vem do inglês “servisse” e a partícula “wa”, indica pergunta, é como um ponto de interrogação na língua japonesa.

Ao entrar num restaurante e se sentar à mesa, a primeira coisa que nos traziam era um copo de água, e como é gostosa a água no Japão!  Mais uma dica foi que na entrada dos restaurantes tem uma apresentação dos pratos (em cera ou plástico não sei) imitando tudo o que é servido, com os preços e um número de referência. Então era fácil escolher e pedir o que queríamos comer.

Início de abril é ainda o começo da Primavera no Japão, e as cerejeiras estão floridas. É um espetáculo maravilhoso, mas que dura pouco. Nesta época chove e venta, e as flores caem logo. A Sakura (cerejeira) Hana (flor) é linda. E gostei muito de comer o “sakura moti”; o moti é um doce de feijão azuki por dentro e massa de arroz por fora que eu já adorava no Brasil. O moti embrulhado numa folha verde de cerejeira é o “sakura moti”….delícia!

As cerejeiras florescem do norte para o sul. Portanto, acompanhamos o espetáculo, pois chegamos a Tóquio e fomos viajando para o sul, até Nagasaki.

(continua na Parte II: http://jornalcaboclo.com.br/index.php/2021/04/03/uma-viagem-ao-japao-em-1979-escreve-edison-porto-parte-ii/ )

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Sobre o autor: Edison Porto, administrador pela Eaesp/FGV; MBA em Finanças pelo IBMEC-SP, bacharelando em Direito e Jornalismo; Técnico em Agronegócio pelo SENAR SC; Membro da Associação dos Amigos do Museu do Contestado de Caçador, da Associação Cultural Coração do Contestado de Lebon Régis, da ACIJO  Associação Caçadorense de Imprensa e do Núcleo de Comunicações da ACIC Associação Empresarial de Caçador. Membro dos Conselhos Municipais de Turismo e de Cultura de Caçador. Participa da ONG Gato-do-Mato. Ocupa a cadeira nº10 da Academia Caçadorense de Música. Editor do Jornal Caboclo.

P.S.: Os conceitos emitidos por artigos ou por textos assinados e publicados neste jornal são de inteira responsabilidade de seus respectivos autores.

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Mensagem do editor:

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8 thoughts on “Uma viagem ao Japão em 1979 – A chegada – Parte I, escreve Edison Porto

  • Maria Sodré

    Adorei a coluna Parte I – Uma viagem ao Japão em 1979, escrita por Edison Porto.
    Sempre gostei de ouvir suas histórias, mas não tinha tido a oportunidade de ler sua coluna, superou minhas expetativas.
    Não só me passou claramente os costumes e a forma de viver daquele povo encantador, como sua forma de escrever me fez transpor para cada uma das suas andanças.
    Parabéns Edison Porto, história linda, viagem maravilhosa!

    • Repórter Caboclo

      Grato Maria Sodré, fico contente que tenha gostado porque escreverei mais sobre esta viagem. Saudações, Edison.

  • Primitivo

    Bonito relato!

    • Repórter Caboclo

      Grato, espero que goste também das outras Partes que se seguirão. Abraços. Edison Porto.

  • Amei ler esse texto, espero ansiosa pela continuação!
    E quero sobre mais viagens também!
    😘

    • Repórter Caboclo

      Lia, estou animado com a reação das pessoas e vou sim escrever logo a segunda parte. Meu amigo do Coréia disse que está ansioso para eu chegar logo na segunda viagem quando o visitei em Seul, imagine quanta coisa ainda tenho para contar. Beijos. Edison

    • Lena Ferreira

      Nossa que bom ver a sua história hoje, fui ao Japão duas vezes a última para socorrer minha filha que ficou viúva, estamos no Brasil mas ela precisa voltar lá. Ela morou em Yokohama. Gostaria de ter um contato o até porque precisamos de ajuda.

      • Repórter Caboclo

        Oi Lena, grato pelo comentário. Enviarei um emai para você. Abs.

Fechado para comentários.

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