Jornal Caboclo

da região do Contestado, SC

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Uma viagem ao Japão em 1979, Nagasaki e a Bomba – Parte III, escreve Edison Porto

Curiosidades e sensações indo ao outro lado do planeta  – Nagasaki

Por Edison Porto

Há 76 anos, no dia 09 de agosto de 1945 explodiu em Nagasaki a segunda bomba Atômica que os norte-americanos lançaram sobre o Japão, o único país até agora atacado por tal tipo de bomba de destruição em massa. A primeira bomba atômica explodiu em Hiroshima três dias antes. 

A data me fez lembrar o que senti quando com a Takako visitei Nagasaki pela primeira vez em abril de 1979, apenas 42 anos depois desta tragédia que, portanto ainda estava muito presente na memória da população mundial. 

Vivíamos o auge da guerra fria. É difícil passar para meus filhos e para as pessoas em geral o medo, para não dizer verdadeiro pavor que a maioria de nós tínhamos quanto ao perigo de eclodir uma Terceira Guerra Mundial que se temia ser a última grande guerra, pois destruiria nosso planeta. O medo era real e pensávamos: “ E se alguém apertar um botão errado?” 

O receio era que se os Estados Unidos ou a União Soviética, disparassem um ataque nuclear contra o outro país, haveria retaliação, iniciando ataques dos dois lados até aniquilar a vida em nosso  planeta.  Muitos filmes foram produzidos retratando este perigo e aumentando nosso temor. Depois da nossa viagem ao Japão, surgiu um filme que apavorava todo mundo, o “Day After” , de 1983, que retratava o que causa uma explosão nuclear numa cidade, no campo, para prédios e pessoas.

Edison & Takako – Nagasaki abr/1979

Foi com este sentimento que fomos para Nagasaki, eu e a Takako Ishii. Ela no meio da gravidez do nosso primeiro filho que nasceu quatro meses depois. Já tínhamos visitado várias cidades cujos relatos publicarei futuramente. Nas partes I e II, já publicadas, descrevi situações diversas começando por nossa chegada em Tóquio, no dia 1º de Abril de 1979, no dia da mentira!

Um amigo nos deu a dica para nos hospedarmos no Nagai Gakkusei Center (Centro de Estudantes Nagai), nomeado assim em homenagem ao Dr. Pablo Nagai, considerado o grande herói da reconstrução de Nagasaki. Numa rápida procurada na internet não achei referências atuais a este Centro.

Eu sabia ler os alfabetos japoneses Hiragana e Katakana e conhecia uma centena de Ideogramas, mas ainda era analfabeto e entendia o trivial da língua falada. A Takako conhecia mais ideogramas (kanjis) e entendia bem mais do que eu, afinal falava em japonês com pais e tios, mas já falavam um tanto misturado no Brasil, era mais ou menos o “nissei-go”, ou seja um japonês de nissei (filho de japoneses) e não o Japonês puro. Mas o que sabíamos era suficiente para nos aventurarmos pelo Japão, muito antes da “onda dekasegui” (brasilieros descendentes de japoneses indo trabalhar/viver no Japão). Conto que naquela época o meu conhecimento da língua inglesa era menor do que da língua japonesa, mas mesmo que soubesse inglês, não adiantaria muito, por onde passamos raramente tinha algo em inglês e ninguém entendia esta língua.

Este centro de estudantes era dirigido pelo mexicano padre jesuíta José Aguilar Colio. Sou muito grato a ele por ter nos recebido tão bem.  Depois de muito tempo comendo “tamago gohan” (arroz com ovo) no café da manhã, ele nos fez a gentileza de oferecer pão com manteiga e café com leite e muito bate-papo agradável.

Mapa de Nagasaki extraído do Google Maps em 09/agosto/2021

Com a dificuldade da língua, sem dúvida nenhuma, do ponto de vista cultural, onde mais aproveitei foi em Nagasaki, porque lá o Padre Aguilar falava conosco em espanhol que eu entendo perfeitamente, e ele conseguia entender obviamente o meu portunhol.

Sino da Paz

O Padre Aguilar nos contou coisas sobre a história da cidade que falarei noutro artigo, principalmente com relação ao cristianismo. Agora conto o que ele nos falou sobre a Bomba Atômica,  cujo alvo eram os estaleiros da Ishikawajima, onde eram fabricados navios de guerra.

Quando o avião Enola Gay se aproximava de Nagasaki havia muitas nuvens, um clima chuvoso, o piloto se comunica com o comando e informa da falta de visibilidade, então recebe a ordem: “Onde você conseguir enxergar alguma coisa solte aí a bomba.”

Quando o piloto teve um vislumbre de construções entre as nuvens soltou a bomba que caiu num vale habitado essencialmente por cristãos católicos. A formação de vale do local teria protegido boa parte da cidade do impacto inicial da explosão atômica que vaporizou o centro do vale e não atingiu os alvos militares que se pretendia.

Como se sabe o Japão permaneceu fechado desde o Século XIX, com a entrada proibida de estrangeiros, mas devido a necessidade ou interesse comercial, apenas um porto foi mantido aberto a estrangeiros e, assim, a cidade de Nagasaki durante muitos anos recebia europeus, entre eles espanhóis e portugueses.

Os padres jesuítas introduziram o cristianismo em Nagasaki seguindo o trabalho missionário do padre espanhol que chegou ao Japão em 1549, em 1622 canonizado como São Francisco Xavier. Em 1979, a estimativa era de que em todo o Japão havia apenas 1 milhão de cristãos que se encontravam concentrados na região de Nagasaki.

Parque da Paz – Heiwa koen

Segundo o Padre Aguilar o lema da reconstrução de Nagasaki foi “Perdoar e esquecer” e por isso a cidade nunca cultuou a bomba como Hiroshima, segundo ele, fazia.  Nagasaki cultuava a Paz e procurava não explorar as lembranças da tragédia nuclear como Hiroshima fazia. Coloco no passado, pois não sei o que mudou nesses 42 anos desde 1979.

O lema “perdoar e esquecer” teria sido popularizado pelo Dr.Pablo Nagai, um físico de história muito bonita, sobre quem se pode pesquisar na internet com o nome de Takashi Nagai. Curioso que não aparece nas pesquisas que eu fiz agora, o nome cristão que ele recebeu quando foi batizado: Pablo. A influência do Cristianismo na cidade é que deu este tom diferente de Hiroshima, ou seja cultuar a Paz e não a Bomba.

Depois da tragédia atômica ele trabalhou arduamente no tratamento dos feridos pela radiação e acabou construindo uma casa num alto para “mostrar” para as pessoas que não havia mais perigo, que voltassem para reconstruir a cidade. Estima-se que cerca de 70 mil pessoas morreram de imediato em Nagasaki, para a população da época, foi algo muito assustador. Em Hiroshima foi pior, cerca de 140 mil mortos na explosão, numa população total de cerca de 350 mil habitantes.

Assim como Hiroshima, o nome de Nagasaki ficou ligado à bomba, qualquer turista chega lá com isso na cabeça. Mas o Padre nos indicou de imediato como chegar ao Parque da Paz, “Heiwa koen”. É um parque bastante amplo com uma grande estátua cheia de significados:

– Uma pessoa sentada com a perna direita dobrada à moda oriental de se sentar, o que representaria o budismo/xintoísmo

–  A perna esquerda para baixo na forma ocidental de se sentar, o que representaria o cristianismo.

– O braço direito levantado com a mão, o indicador, apontando para o céu, mostrando o perigo que vem dele….a Bomba!

– O braço esquerdo estendido para o lado, com a mão espalmada, pedindo Paz!

Era um dia chuvoso, mas havia várias pessoas no Parque e vimos vários grupos de estudantes, talvez de outras cidades, fazendo turismo por ali, onde encontramos um monumento com o sino que teria anunciado o fim da guerra.

Destroços Ponte, Catedral de Urakami

Mas onde é que caiu a Bomba Atômica? Fomos perguntando até chegarmos a um lugar afastado do Parque da Paz (veja mapa), com um obelisco negro marcando o epicentro da explosão atômica que se deu antes da bomba atingir o solo. Junto ao obelisco um jardim de tulipas que entendi serem sempre trocadas para que permaneça o ambiente florido. Não havia ninguém ali, um deserto, confirmando o que o padre falou: “Nagasaki não cultua a bomba/”

Nesta mesma área do epicentro da explosão, havia destroços que ela causou, como partes da Catedral de Urakami, partes de uma ponte, edificações que foram reconstruídas nos seus locais de origem, mas estes pedaços ali foram guardados para mostrar o tipo de dano causado.

Eu me lembro de que num impulso fui tocar no destroço da ponte, mas quando minha mão ficou próxima de tocar, eu recuei…. era uma sensação de medo, como se ainda existisse radiação, um perigo que toda a população do planeta temia naquela época.

Obelisco negro marca o Epicentro da explosão

Não tinha ninguém nesta região do epicentro marcado pelo obelisco, com destroços espalhados que não despertavam a curiosidade de ninguém, aparentemente só a nossa. Fomos caminhando para sair desta área e nos deparamos ali perto com vários grupos de turistas estudantes indo para o Museu da Bomba Atômica.

Ao entrar no Museu senti uma energia muito negativa, vendo fotos dos danos em Nagasaki  e das pessoas que lá morreram.  Há por exemplo displays com óculos retorcidos contanto a história do dono e coisas assim, textos e áudios sobre pessoas que ali viviam  e o que aconteceu com elas. Este Museu é um verdadeiro show de horrores como um alerta para quem ali vai.

Em 1979 a minha estatura e 1,72m era relativamente maior do que a média japonesa (parece que hoje não mais). Usando Jeans com um sacolão de couro e uma filmadora nas mãos eu era o típico turista, com cara de ocidental eu tinha a sensação que todos que olhavam para mim pensavam que eu era norte-americano e eu me sentia como se os olhares fossem acusadores, por isso eu fazia questão de exibir bastante as fitas verde-amarelas que mantínhamos sempre em nossas coisas e uma bandeirinha do Brasil em nossa roupa. O meu sentimento era de dizer para a garotada:  “olha aqui, sou brasileiro, não foi meu país que jogou esta bomba!”

Para quem lê hoje este meu sentimento naquela ida ao Museu da Bomba Atômica pode soar tolice, mas eu me lembro muito bem da tristeza e da vergonha que eu sentia de ser confundido com um norte-americano. Sei lá o que uma pessoa dos EEUU sentiria visitando este local naquela época. Hoje estamos mais distante do medo de radiação atômica que reinava até, com certeza, a década de 80. Estamos mais distantes desses acontecimentos traumáticos da história da humanidade e quase não se fala mais nisso. Até os anos 90, ou fim do século passado, nas datas de 6 e 9 de agosto, todos os noticiários, TV, Rádio e Jornais relembravam as bombas atômicas, mostravam cenas da época e celebrações no Japão.  Hoje em dia não se vê, ouve ou lê mais nada a respeito, por isso decidi escrever este artigo contando o que vi e senti em Nagasaki em 1979 e como vivíamos com medo de um fim de mundo nuclear.

Lá em Nagasaki comprei um livro em inglês que narra o desespero de quem sofreu a radiação:  “Give me Water” (Dê-me água), são aspectos tristes de acontecimento real que o mundo parece esquecer, assim como se esquece de tanta coisa que deveria se lembrar para nunca mais deixar acontecer.

Há muito material disponível na internet para quem quiser saber mais sobre as bombas atômicas e a destruição em Hiroshima e Nagasaki, no link a seguir indico uma publicação interessante da BBC:

https://www.bbc.com/portuguese/resources/idt-a05a8804-1912-4654-ae8a-27a56f1c2b8a

Nota do Editor: A seguir links para as Partes I e II

http://jornalcaboclo.com.br/index.php/2021/03/21/uma-viagem-ao-japao-em-1979-escreve-edison-porto-parte-i/

http://jornalcaboclo.com.br/index.php/2021/04/03/uma-viagem-ao-japao-em-1979-escreve-edison-porto-parte-ii/

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Sobre o autor: Edison Porto, administrador pela Eaesp/FGV; MBA em Finanças pelo IBMEC-SP, bacharelando em Direito e Jornalismo; Técnico em Agronegócio – SENAR SC; Membro da Associação dos Amigos do Museu do Contestado de Caçador, da Associação Cultural Coração do Contestado de Lebon Régis, da ACIJO  Associação Caçadorense de Imprensa e do Núcleo de Comunicações da ACIC Associação Empresarial de Caçador. Conselheiro Municipal de Turismo e de Cultura. Ocupa a cadeira nº10 da Academia Caçadorense de Música. Editor do Jornal Caboclo.

P.S.: Os conceitos emitidos por artigos ou por textos assinados e publicados neste jornal são de inteira responsabilidade de seus respectivos autores.

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