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Colunas e Opinião

Sobre futebol e política. Por Saulo Rodrigues Carvalho

Por Saulo Rodrigues Carvalho

Já diziam os mais velhos que “futebol, política e religião não se discutem!”, a mais pura besteira. Futebol, política e religião sempre foram assuntos passíveis de discussão aqui e em qualquer parte da galáxia onde existam seres humanos, com polegares opositores e telencéfalos altamente desenvolvidos. Talvez por terem vivido em um período de censura, nossos pais e avós, ainda hoje temem por aquilo que sai de nossas bocas, ou de nossos posts nas redes sociais. Penso que a máxima do “[…] não se discutem!”, tenha surgido justamente desse período em que debater problemas, apontar os contraditórios e torcer contra o time oficial dos nossos comandantes, poderiam te levar a ficar dependurado num “pau-de-arara”. Mas, não tenho elementos para afirmar isso. Talvez tenha sido apenas uma forma mais simples de evitar as discussões mais apaixonadas, que esses temas despertam em nós.

Como eu cresci no período democrático e aprendi com o poeta que “nada é proibido”, me meto a discutir aqui futebol e política e ambos ao mesmo tempo.  Quero chamar a atenção pelo modo como o futebol e a política estão cada vez mais parecidos. No futebol parece que há times que possuem foro privilegiado e por mais humano e passível de erros que o árbitro possa ser ali dentro das quatro linhas do campo, ele nunca erra para determinados times. Quando isso acontece, vem o STF do futebol e muda as regras. Ora, errar é do jogo, mas corrigir o erro por meio de interferência externa não é permitido pelas regras. Na política algo parecido acontece. Alguns partidos são mais beneficiados pelos juízes, enquanto outros sofrem o rigor da lei e observam as regras serem alteradas no meio da partida.

No Brasil, a Constituição Federal Democrática de 1988 estabeleceu como regra no seu artigo V, inciso LVII, que “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”. A palavra “ninguém”, no entanto, pode levar a dois significados, o de que nenhuma pessoa, de qualquer partido, coloração, classe, time ou religião, deverá ser encarcerada enquanto não se esgotarem todos os recursos jurídicos que comprovem a sua culpa ou inocência. Acredito que esta seja a interpretação da Constituição Federal. Mas, “ninguém”, no rico e polissêmico vocabulário da língua portuguesa, tem também o significado de “pessoa com pouca importância, ou com pouca influência”. Talvez seja essa a interpretação de alguns juízes que insistem em meter o ex-presidente Lula numa cela. Com nenhuma influência sobre os juízes que julgaram seu caso, tanto na primeira instância, como na segunda, Lula foi considerado culpado. Mesmo que seus advogados contestem as provas, impetrem recursos e levem o caso para a terceira e quarta instâncias, permanece preso. Isso porque a interferência externa dos juízes do STF, simplesmente mudou as regras. O “trânsito em julgado”, depois da votação polêmica que terminou com o voto de minerva de Carmem Lúcia, se esgotou na segunda instância. E adivinhem quantos políticos que foram condenados na segunda instância estão presos? Eduardo Azeredo do time azul, condenado na segunda instância por peculato e lavagem de dinheiro, está solto. As diferenças do julgamento são gritantes. Azeredo demorou 10 anos para ter o seu caso julgado, enquanto Lula passou por todos os trâmites até a segunda instância em apenas 19 meses. O Habeas Corpus de Azeredo foi negado pelo STF, assim como o de Lula. O que estão esperando para prendê-lo? Como não duvidar que haja um tratamento diferente para diferentes partidos? Os princípios de isonomia, equidade e imparcialidade da justiça, parecem não ser aplicados quando se trata de determinados partidos. No momento há uma lista de políticos que estão sem foro privilegiado e possivelmente nem serão investigados. Alckmin e Beto Richa do PSDB fazem parte desse grupo. Alckmin foi beneficiado recentemente tendo seu processo retirado da operação “Lava jato” para ser julgado pela Justiça Eleitoral. No Tribunal Regional Eleitoral ele poderá ser julgado por “caixa 2” e não por “corrupção”. Se for considerado culpado poderá ficar inelegível, pela lei da “Ficha Limpa”, mas dificilmente será preso. No TRE, Alckmin não é considerado um “ninguém”, na segunda acepção da palavra. Isso porque é bem conhecida a relação da Justiça paulista com o PSDB. Quem tem alguma dúvida recomendo a leitura da tese de doutorado de Luciana Zaffalon “Uma espiral elitista de afirmação corporativa: blindagens e criminalizações a partir do imbricamento das disputas do Sistema de Justiça paulista com as disputas da política convencional”, defendida em 2017 pela FGV.  Nesta, Zafallon aponta as estruturas corporativas criadas para beneficiar a elite paulista, tendo o PSDB como seu principal apoiador durante as quase três décadas em que o partido está no poder.

Enquanto isso o jogo segue. O time de azul continua colocando a mão na bola e dando cotoveladas nos adversários, sem ao menos levar um cartão amarelo. Enquanto que o time de vermelho tem seu principal jogador expulso e impedido de jogar a final, uma penalidade anulada e sua defesa advertida. Mas, o campeonato é de pontos corridos e muitas reviravoltas podem acontecer até o último lance do último jogo. Embora essa comparação possa ser esdrúxula, e até concordo que seja, prefiro que os juízes, se forem para errar, que errem no futebol. Considero menos doloroso aguentar a zoação dos adversários que ganharam um campeonato com um lance duvidoso, do que ver a destruição da democracia por causa de interpretações duvidosas de juízes parciais.

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Sobre o autor: Saulo Carvalho é professor do curso de Pedagogia na UNICENTRO, campus Guarapuava-PR e Doutor em Educação Escolar pela UNESP-Araraquara; escreve semanalmente no Jornal Caboclo.

P. S. : Os conceitos emitidos por artigos ou por textos assinados e publicados neste jornal são de inteira responsabilidade de seus respectivos autores.

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