Jornal Caboclo

da região do Contestado, SC

Colunas e Opinião

Rafaela Ventz canta “Maria Ninguém”, escreve Edison Porto

Primeiro videoclipe do projeto Contestadas disponível, mais cinco a caminho

Por Edison Porto

A música “Maria Ninguém” foi lançada no 2º Congresso Nacional do Contestado,  é o primeiro videoclipe do projeto “Contestadas”.  Um trabalho que destaca a participação feminina no conflito e a herança de desigualdade na região, com estreia no Youtube, no canal do IFC Campus Videira e no canal da artista no dia 26 de agosto.

As Contestadas, e suas herdeiras, sofreram e sofrem o preconceito ainda hoje, principalmente com a violência doméstica, resultado de uma herança machista e autoritária na região, historicamente dominada pelos “coronéis”, fazendeiros que eram a representação do poderoso e rico senhor de terras na época. Por isso, o projeto tem o objetivo de reconhecer a trajetória dessas mulheres por muito tempo contestadas, seja na existência, seja no significado.

A desvalorização da mulher, uma herança cabocla da região do conflito, que um século depois ainda grita por um novo significado, foi traduzida em música. As canções fazem parte das atividades de divulgação, promoção, debate e popularização das ações e pesquisas desenvolvidas sobre a região do Contestado, do meio-oeste catarinense.

 “A Maria Ninguém nasceu do combate às desigualdades históricas e da ânsia de valorizar a identidade de uma população que até hoje sofre os resquícios da Guerra do Contestado”, explica Rafaela, destacando esta, como uma das razões pelas quais o Contestado é atualmente a região com maior desigualdade socioeconômica do estado.

Rafaela, a mulher contestada!

Rafaela Ventz em cena do videoclipe “Maria Ninguém”

O Brasil pouco conhece sobre a Guerra do Contestado que vitimou oficialmente entre 10 e 20 mil brasileiros, quantidade que historiadores acreditam ser muito maior. Este episódio triste e de muita violência, passou a ser pesquisado e discutido após a redemocratização do país, mas suas marcas ainda se refletem no desenvolvimento econômico e social do meio-oeste de Santa Catarina onde ela aconteceu, região que é hoje a mais pobre do Estado.

 A cruel perseguição aos caboclos por vários anos, mesmo após o fim oficial da guerra, resultou num estranho silêncio nas comunidades locais. Por medo de sofrerem algum tipo de represália, as pessoas evitavam falar sobre o que tinham presenciado, ou sobre relatos que tomavam conhecimento. Por muito tempo, este medo se misturou a um sentimento de vergonha de se dizerem caboclos, ou descendente deles.  Com este clima de terror latente nas pessoas, a história do Contestado vinha sendo escondida.

Rafaela, nascida em Caçador, de família de Lebon Régis, palco da sangrenta guerra do Contestado, mas por causa deste tipo de silêncio instalado na região, pouco sabia sobre a Guerra. Ela diz: “Conheci meu bisavô, mas nunca se falava sobre o que aconteceu na região”. Rafaela morou muito tempo fora de Caçador, mas estudou na cidade, dos 13 aos 17 anos, nesta época ela diz: “não se falava nada, e quando o assunto era abordado, era de forma muito superficial”.

Rafaela Ventz com participantes do Primeiro Congresso Nacional do Contestado

Rafaela saiu de Caçador novamente e por anos mostrou seu talento musical na região de Joinville, atuando no vocal da Banda Dona Chica. Pela música foi para Madrid, ela ficou dois anos divulgando nossa música na Espanha. Em 2015 voltou às origens, para morar definitivamente em Caçador. Neste ano se realizava a Primeira Semana do Contestado de Caçador, com o objetivo de promover uma reflexão sobre a Guerra, uma comemoração que passou a ser obrigatoriamente realizada anualmente, conforme Lei Municipal Nº 3298 , que declara como objetivo, além desta reflexão, o resgate do orgulho do povo caboclo e de sua identidade cultural.

Inteligente e talentosa teve sua mente aguçada pelas apresentações e debates que viu na Semana do Contestado, quis saber mais, o que a levou a aproveitar todas as oportunidades de participar com sua arte, de trabalhos voltados para resgatar a verdadeira história dessas histórias, conhecendo estudiosos do tema e pessoas comuns que a eles se juntam neste resgate.

Neste contexto, idealizou o projeto “Contestadas – Da Participação Feminina na Guerra do Contestado à Herança Cabocla na Região do Meio-Oeste Catarinense”, aprovado no edital Elisabete Anderle 2020. No projeto, a mulher Contestada, esquecida no tempo e no espaço, ganhou nome e sobrenome e é honrada junto aos seus antepassados.

Dando contornos atuais e visibilidade, é enaltecida a participação feminina nesta guerra civil que embora tenha se iniciado antes, teve como marco histórico de começo, a Batalha do Irani, ocorrida em 22 de outubro de 1912.  Da mesma forma, o fim do conflito é tido como agosto de 2016, com a prisão do líder caboclo, Adeodato. No entanto, há registros de continuidade da matança nos anos seguintes, como nos episódios que envolveram o nascimento da cidade de Concórdia, já na década de 20.

Para o projeto “Contestadas”, Rafaela idealizou a elaboração de seis vídeos, também em audiovisual com acessibilidade em Libras, que propõem a difusão do tema “Guerra do Contestado e suas consequências para a população da região do Contestado”. 

No primeiro vídeo, concebido por Rafaela Ventz, ela canta “Maria Ninguém”, uma composição de dois estudiosos de tudo que envolve a história da região, os descendentes de caboclos, o advogado William Peres e o professor Duda Nascimento, o arranjo musical é de Jacson Araújo.

William Perez tem feito vários textos sobre a história e toda a problemática da região do Contestado e seu povo, dentre eles saiu a letra de “Maria Ninguém” que passou para o Duda Nascimento que declarou: “Recebi a letra do William e fiz a música e a adaptação do texto para dar sonoridade e ritmo.  A música tem um linha melódica que  passa certa suavidade mas com tensão de partes graves para agudas, já que a letra propõe um reflexão sobre o papel feminino no Contestado fazendo referência à Chica Pelega. “

William declara: “A experiência de escrever textos vem me acompanhando desde a juventude. Existem muitos textos escritos, e pra mim é um pouco difícil liberá-los pela forma como escrevo, sem nenhum tipo de pontuação. Mas, no final de 2017 fui provocado pelo Duda e pela Rafa Ventz a escrever, para o projeto de música do IFSC para novos compositores (Instituto Federal Santa Catarina). Escrever pra mim é um hobby, e por ser hobby, cuido demais da produção que sai. Então, decidi liberar alguns textos para eles, e desses textos saiu a música Maria Ninguém e também a música Ser Caboclo, que estreará em breve, também na voz da Rafa Ventz. Vejo com muita alegria o resultado dos textos, como eles ficaram adaptados em música e ritmos tão lindos e sensíveis como essas obras. Eu me sinto encorajado, caso os músicos queiram, de continuar ajudando no processo de composição das músicas que vierem.”

A Prof. Malu Zardo, bailarina e coreógrafa que apresenta sua bela arte em cenários da região cabocla, ilustrando o canto e a música no videoclipe “Maria Ninguém” declarou: “Foi uma experiência incrível, a Rafa é muito talentosa e o Felipe que gravou também um super profissional.”

A partir de setembro, com data ainda a definir, as demais obras serão disponibilizadas no YouTube, Vimeo; redes sociais, como Facebook e Instagram; e plataformas disponíveis para exibição de vídeos e de música, como Spotify, Soundclound, Amazon Music, Deezer e Google Play, entre outras.

Todos os arquivos digitais das obras realizadas pelo projeto serão fornecidos à Fundação Catarinense de Cultura (FCC), para a utilização em sua rede de distribuição de bens culturais do estado de Santa Catarina. Todos os vídeos produzidos terão acessibilidade em Libras.

Conheça no link a seguir, o primoroso trabalho realizado em belíssimos cenários, com a participação encantadora da bailarina e coreógrafa Malu Zardo e suave interpretação na maravilhosa voz da Rafaela Ventz:

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Sobre o autor: Edison Porto, administrador pela Eaesp/FGV; MBA em Finanças pelo IBMEC-SP, bacharelando em Direito e Jornalismo; Técnico em Agronegócio – SENAR SC; Membro da Associação dos Amigos do Museu do Contestado de Caçador; da Associação Cultural Coração do Contestado de Lebon Régis, da ACIJO  Associação Caçadorense de Imprensa; do Núcleo de Comunicações da ACIC Associação Empresarial de Caçador; da diretoria do Grupo de Teatro Temporá e da diretoria da Ong Gato do Mato. Conselheiro Municipal de Turismo e de Cultura. Ocupa a cadeira nº10 da Academia Caçadorense de Música. Editor do Jornal Caboclo.

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P.S.: Os conceitos emitidos por artigos ou por textos assinados e publicados neste jornal são de inteira responsabilidade de seus respectivos autores.

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