Jornal Caboclo

da região do Contestado, SC

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Contestados no Vale do Contestado apresentação em Caçador SC, escreve Edison Porto

Teatro de Animação expressa com impressionante clareza um resumo da história da Guerra do ContestadoPor Edison Porto

O Brasil pouco conhece de uma história quase não contada fora da sua região de origem, a Guerra do Contestado, um dos maiores conflitos civis do mundo, envolvendo a população, uma empresa norte-americana e o exército do país, com extrema violência, milhares de morto, com marcas profundas que ressoam até hoje na região mais pobre de Santa Catarina, que segue desconhecida da maioria dos brasileiros.

Laura Correa e Mônica Longo

Na verdade, até mesmo entre os descendentes das pessoas massacradas no conflito a história é pouco conhecida, dado o pavor que causou nos seus ancestrais que foram perseguidos por vários anos, mesmo após o fim “oficial” da guerra em 1916.

Parece-me que após a Constituição Cidadã de 1988 com a redemocratização do país, estudiosos, professores, historiadores passaram a se interessar por esta história, desde então, muitas pesquisas tem sido feitas, assim como eventos artísticos, teatrais, musicais e de dança tem ocorrido no esforço de resgatar a verdade do que aconteceu no meio oeste de Santa Catarina, envolvendo a disputa de limites entre Estados, a construção da Ferrovia e os interesses econômicos na exploração da erva mate, numa complexidade que compõe a Guerra do Contestado.

É neste contexto que em 2019 a Cia Mútua de Itajaí, SC, estreou “Contestados”, numa apresentação inovadora na forma de contar a história, ainda que, obviamente, de forma resumida, dada a extensão de tudo que abrange a Guerra do Contestado, como a Cia Mútua declara, o espetáculo faz um recorte daqueles trágicos acontecimentos. Apresentações gratuitas com recomendação para o mínimo de 12 anos.

Depois de ter passado por Três Barras; Porto União; Matos Costa; Calmon; Timbó Grande; Lebon Regis, no dia 25 de maio de 2023, a apresentação foi na Câmara Municipal de Vereadores de Caçador, com auditório lotado. A plateia se compôs em grande maioria de alunos do Colégio Irmão Léo, o que foi muito bom, quem sabe para despertar o interesse pela história de onde vivem e de suas origens, naqueles que ainda não tinham esta curiosidade. Completando 10 cidades da Região Metropolitana do Contestado, a programação prevista de apresentações em Irani no dia 26; Monte Carlo dia 27 e finalizando com Curitibanos no dia 28, seguida de uma “Ação Formativa” – Palestra “O Contestado na Sala de Aula” com Paulo Pinheiro.

A apresentação de “Contestados no Vale do Contestado” é simplesmente maravilhosa. Um Teatro de Animação super criativo, com as atrizes Laura Correa e Mônica Longo, movendo figuras recortadas, com partes móveis, sobre um tablado com terra, jogo de luzes, fumaça, música de fundo e até mesmo a projeção de imagens do povo tiradas do documentário “Terra Cabocla”, uma sensacional obra da Pural Filmes com direção de Márcia Paraíso e Ralf Tambke. Ao lado a Sra. Grazi Bender traduziu as falas em linguagem de libras.

As duas atrizes cada uma no seu banquinho, tomando chimarrão conversam sobre a vida em geral, mas o assunto vai suavemente deslizando para a história principal. Supreendentemente derramam dois sacos de terra numa mesa tablado atrás de onde estavam e ali a história é descrita, começando com uma finando a bandeira o Paraná de um lado e a outra do lado oposto colocando a bandeira de Santa Catarina, numa discussão sobre a quem pertence aquela “terra toda”, numa alegoria muito inteligente que de forma lúdica ilustra para o espectador o pomo inicial da discórdia.

Gradativamente, o cenário se alterna entre mostrar a vida pacífica dos caboclos e o contraste trazido com a construção da ferrovia, pelo estadunidense Percival Farquar, que também era o dono da Southern Brazil Lumber & Colonization Company que passou a explorar a madeira ao longo da ferrovia, 15km de cada lado, expulsando moradores e arruinando os pequenos serradores e madeireiros locais.

É impressionante como as duas atrizes usando destes recursos aparentemente simples: Mesa, Terra, bonecos, conseguem com o trabalho de toda a equipe da Cia Mútua, pelo menos dez pessoas, representar com tanto impacto a tragédia da Guerra do Contestado.

Ao final do espetáculo, com a mediação da museóloga Letíssia Crestani houve uma roda de conversa, entre o elenco do espetáculo e os representantes da cultura cabocla da cidade: “fazedores de arte” de Caçador; professores; atores, atrizes; diretores de teatro e cinema; cineastas, fotógrafos e historiadores: Deiviane Velho; Diego Ahmod; Elias de Lima e Thyago Weingantner. Integrantes da plateia, alunos e professores, também fizeram uso da palavra, para elogiar, agradecer e reforçar questões que continuam no inconsciente coletivo da região.

Plateia aplaudiu em pé

Felizmente, já temos muitos livros para conhecer a história, entre eles os escritos por autores que conheci e me tornei amigo, como os Professores Delmir Martins, Nilson César Fraga, Pedro Dutra, e, também, meu saudoso querido amigo músico gaiteiro e pesquisador do Contestado Vicente Telles, falecido em dezembro de 2018.

Sobre o Vicente Telles posso dizer que partiu para se juntar ao “Exército Encantado”, pouco tempo depois de realizar seu sonho, de realizar um encontro entre as forças militares de SC e PR, para a assinatura de um Acordo de Paz, o que, de fato, aconteceu no Irani no dia 22 de outubro de 2018, cerca de 106 anos depois da disputa de limites. Tive a honra de acompanhar o Vicente Telles nesta cerimônia que contou com a presença de familiares dos combatentes do Irani, dos dois lados. Na assinatura do Acordo de Paz, Santa Catarina foi representada pelo então Prefeito de Irani, Sr. Sivio das Neves, o Estado do Paraná foi representado pela Comandante da PM Paranaense, Coronel Audilene Rosa de Paula Dias Rocha, a primeira mulher a comandar a PM no PR em 163 anos.

A Museóloga Letíssia Crestani media a Roda de Conversa

Um outro escritor muito conhecido é o falecido Prof. Nilson Thomé, jornalista, antropólogo e historiador, nascido em Caçador.  A esperança é que continuem pesquisando, escrevendo, criando obras e eventos para que os jovens não parem de aprender sobre o passado para que não ser repitam erros no presente e no futuro.

Falando um pouco do que aprendi com eles, embora se diga que a Guerra do Contestado se iniciou no dia 22 de outubro de 1912, com a Batalha do Irani, esta data é apenas uma referência, um marco importante de uma disputa por terras que se iniciou muito antes.

Os combates no Irani foram decorrentes de fatos anteriores à sua data. Um deles é que havia uma disputa de limites entre Paraná e Santa Catarina e a região do Irani era tida como pertencente a Palmas PR. O outro é que o Monge José Maria estava com seus seguidores, sertanejos/caboclos, no Reduto de Taquaruçu próximo da cidade de Curitibanos, cujos líderes (fazendeiros/políticos) temiam o “ajuntamento de monarquistas fanáticos” e pediram ao Governador uma força policial para combatê-los.

A equipe da Cia Mútua que montou “Contestados” em Caçador

O Monge José Maria decidiu não enfrentar as forças policiais que viriam de Lages, então tomou o rumo dos campos do Irani onde acampou com sua tropa. O ambicioso Comandante do Regimento de Segurança do Paraná, João Gualberto Gomes de Sá Filho, contrariando ordens superiores de distribuir seus 300 homens em posições defensivas em cidades fronteiriças, confiando numa metralhadora Maxim resolve avançar com 70 homens, para expulsar os “invasores catarinenses” do Estado do Paraná. A metralhadora travou e sua tropa foi derrotada por cerca de 200 caboclos que surgiram das matas no seu entorno. Nesta batalha morreram 11 caboclos, entre eles o Monge José Maria, e 10 soldados, incluindo o Comandante João Gualberto.

Fato é que morreu muita gente defendendo o local onde viviam há gerações, caboclos, uma mistura de indígenas de origem xokleng e kaingang, remanescentes dos soldados da Guerra do Paraguai e da Guerra Farroupilha que ficaram pela região e até mesmo imigrantes de outras paragens que já estavam na região, numa formação sertaneja, o povo caboclo!

Eu sou um paulistano da terra do café, na terra do Contestado, a terra do mate, onde procuro dar minha contribuição para o desenvolvimento cultural, econômico e social da região, com sustentabilidade, proteção do meio ambiente para maior segurança e bem-estar das pessoas.  Então peço escusas por qualquer erro de interpretação da história que só comecei aprender há menos de nove anos quando vim da Capital de São Paulo.

Uma das provas de que a matança e perseguição aos caboclos continuou por vários anos, é a história da fundação da cidade de Concórdia com eventos que vão até por volta de 1924. Cidade cujo nome vem de um acordo feito com os caboclos, que enganados, foram depois queimados e jogado num rio, hoje conhecido como Rio dos Queimados. Para saber mais leia meu artigo: “A intrigante relação de Concórdia com a Guerra do Contestado” http://jornalcaboclo.com.br/index.php/2018/09/27/a-intrigante-relacao-de-concordia-com-a-guerra-do-contestado-escreve-edison-porto/

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Nota do autor: Na elaboração deste artigo foram consultadas informações nos seguintes links:

Blog: Ensinar História – Joelza Ester Domingues https://ensinarhistoria.com.br/linha-do-tempo/inicio-da-guerra-do-contestado-2/

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https://www.wikiwand.com/pt/Jo%C3%A3o_Gualberto_Gomes_de_S%C3%A1_Filho

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Sobre o autor: Edison Porto, Consultor de Negócios, administrador pela Eaesp/FGV; MBA em Finanças pelo IBMEC-SP, bacharelando em Direito e acadêmico de Jornalismo; Técnico em Agronegócio – SENAR SC; Membro da ACIJO  Associação Caçadorense de Imprensa e do Núcleo de Meio Ambiente da ACIC Associação Empresarial de Caçador. Presidente do Conselho Municipal de Turismo 2023/2025 e membro do Conselho Municipal de Cultura. Faz parte das diretorias da OnG Gato do Mato, do CTG Estrela dos Pampas e do Grupo de Teatro Temporá. Ocupa a cadeira nº10 da Academia Caçadorense de Música. Editor do Jornal Caboclo. Detentor da Marca Registrada no INPI:  IMPRENAUTAS – Informação e Cultura.

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P.S.: Os conceitos emitidos por artigos ou por textos assinados e publicados neste jornal são de inteira responsabilidade de seus respectivos autores.

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